Action Park: Por dentro do parque de diversões “mais perigoso do mundo”

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Nos anos 1980, o Action Park, localizado em Vernon, Nova Jersey, ganhou notoriedade como o parque de diversões mais perigoso dos Estados Unidos e um dos mais infames do mundo. Inaugurado em 1978 por Gene Mulvihill, um ex-corretor de ações com histórico de fraudes financeiras, o local ficou conhecido por suas atrações improvisadas, frequentes acidentes e quase total ausência de fiscalização.
O parque foi tema do documentário “Class Action Park”, lançado em 2020 pela HBO, que expõe episódios chocantes da história do local e explica por que ele continuava querido, mesmo com tantos incidentes perigosos. O título faz um trocadilho com o termo jurídico “class action”, usado para ações coletivas movidas por várias vítimas contra uma mesma entidade.
“O Action Park era engraçado, esquisito, hilário, mas havia algo sombrio ali”, disse Seth Porges, codiretor do filme, ao The New York Times em 2019. “O mais difícil de fazer o filme foi: como mostrar isso? Muita gente olha para trás com carinho, como se fosse um rito de passagem. Como equilibrar essa diversão com o custo humano?”
No documentário, ex-funcionários confirmam que muitos brinquedos foram desenhados por pessoas sem formação em engenharia. Segundo Porges, Mulvihill era abordado por inventores rejeitados por parques como Disney ou Six Flags. “Ele queria tudo maior, mais radical e extremo” e interferia nas criações até durante a construção.
“Muitos brinquedos eram experimentais. No papel, pareciam bons. Mas quando funcionavam de verdade, não eram seguros para o público médio”, lembrou o chefe dos salva-vidas, Bob Krahulik.
Atrações
O parque era dividido em três áreas: Alpine Center, Water World e Motor World. Entre as atrações, o Cannonball Loop, um toboágua com looping, causou fraturas e lacerações graves.
Os primeiros que desceram saíram com a boca toda ensanguentada. Isso foi antes de colocarem o acolchoamento suficiente no topo; tinha bem pouco”, contou Jim DeSaye, diretor de segurança do Action Park, no documentário.
“Depois, mandaram mais alguns, e esses saíram com lacerações. Ninguém entendia de onde vinham os ferimentos.” Ao desmontar o brinquedo, encontraram dentes cravados no acolchoado — pertencentes aos primeiros corajosos que os perderam no looping. Os demais se rasgavam ao passar por cima disso.

O Alpine Slide, uma pista de concreto para trenós, causou os ferimentos mais graves. Esse escorregador de 820 metros usava trenós com freio e acelerador. Os canais eram de concreto e fibra de vidro. Qualquer queda causava queimaduras, arranhões e até fraturas.
O entorno era só pedra. Então víamos desde ossos quebrados até concussões. Num dia normal, entre 50 e 100 feridos. Nos fins de semana, o dobro”, contou o segurança Mark Johnson à produção.
Em 1980, um jovem de 19 anos, George Larsson Jr., sofreu um acidente fatal quando o freio de seu trenó falhou. Ele foi arremessado do brinquedo, bateu com a cabeça nas rochas e entrou em coma. Morreu uma semana depois — quatro dias antes de ser padrinho no casamento do irmão.
Mulvihill tentou abafar o caso, alegando que George era ex-funcionário, que o acidente foi fora do horário e sob chuva. Tudo mentira. Quando a família foi à Justiça, foi feito um acordo de US$ 100 mil (cerca de R$ 560 mil, na cotação atual).
Em 1982, duas pessoas morreram na mesma semana: George Lopez, de 15 anos, se afogou na piscina de ondas, e um homem de 27 morreu eletrocutado no brinquedo Kayak Experience. O Departamento de Trabalho do estado não encontrou violações no caso do caiaque, mas reconheceu que uma hélice submersa gerava corrente elétrica suficiente para causar ferimentos graves.
Em 1984 e 1985, foram registrados ao menos 14 ossos quebrados e 26 traumatismos cranianos. Havia tantos feridos que o parque comprou ambulâncias para a cidade. O próprio NY Times, em 1983, publicou: “O pessoal do parque chamava o lugar de ‘Traction Park’” — um trocadilho com o termo médico "traction" (uso de tala para ossos quebrados).
Susie McKeown, hoje com 52 anos, relembrou ao jornal norte-americano sua visita logo após o ensino médio: “As pessoas estavam sangrando por toda parte. Andavam com os cotovelos ou joelhos ralados”. Ela mesma quebrou um dente em um brinquedo que terminava com uma queda de mais de 4 metros num lago gelado. “Se seu queixo batesse na água no ângulo errado, os dentes lascavam.”
O quadro de funcionários era composto majoritariamente por adolescentes, muitos deles sem idade legal para trabalhar. Havia relatos de consumo de álcool e drogas nas instalações, além de festas frequentes entre os trabalhadores. Visitantes também extrapolavam limites, incentivados pela atmosfera de descontrole.
Falência
Apesar dos riscos evidentes, o Action Park operou por anos sem um seguro legítimo. Para contornar exigências legais, Mulvihill criou uma seguradora fictícia registrada nas Ilhas Cayman e passou a emitir apólices falsas, apresentando documentos fraudulentos às autoridades estaduais. Isso lhe permitiu manter o parque funcionando, mesmo com um histórico crescente de acidentes graves e fatalidades.
Em 1984, a fraude veio à tona, e ele declarou-se culpado. Dois anos depois, em 1986, foi oficialmente banido pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA de qualquer atividade no mercado financeiro. Evitou a prisão ao fechar um acordo judicial: pagou uma multa de US$ 250 mil (R$ 1,4 milhão, na cotação atual) e recebeu três anos de liberdade condicional.
Enquanto isso, os processos judiciais contra o parque se acumulavam. Famílias de vítimas, visitantes feridos e ex-funcionários relataram negligência, má gestão e até tentativa de encobrimento de incidentes. Ao todo, pelo menos seis mortes foram oficialmente registradas, além de centenas de feridos — alguns com sequelas permanentes.
O local respondia a ações cíveis constantemente, mas devido à sua estrutura jurídica obscura e à ausência de um seguro real, muitas indenizações eram negociadas diretamente ou ficavam sem pagamento.
Mesmo diante do histórico sombrio, o Action Park seguiu operando até meados dos anos 1990. Segundo Porges, não foi a justiça nem a regulamentação que encerrou suas atividades, mas sim a falência. À medida que as dívidas aumentavam, o número de visitantes caía e os escândalos vinham à tona, o parque perdeu o fôlego financeiro. Em 1996, fechou oficialmente as portas.
Quase duas décadas depois, em 2014, os filhos de Mulvihill tentaram ressuscitar a marca, explorando a nostalgia em torno do parque. O nome Action Park foi relançado, mas a tentativa durou pouco: em 2016, cederam à pressão pública e jurídica, e abandonaram definitivamente a marca.
A associação direta com mortes, ferimentos e imprudência tornou inviável qualquer reabilitação da imagem. Desde então, o local opera com novo nome — Mountain Creek — e segue diretrizes de segurança modernas, com brinquedos padronizados e fiscalização adequada.
Gene Mulvihill morreu em 27 de outubro de 2012, aos 78 anos, sem nunca ter enfrentado uma condenação penal grave por sua gestão. Sua figura continua controversa: para alguns, um visionário inconsequente; para outros, um símbolo da irresponsabilidade empresarial dos anos 1980. “A história real do Action Park é mais maluca do que a lenda”, disse Porges. “Sim, as coisas eram divertidas — se você sobrevivesse.”


