As primas esquecidas de Elizabeth II: O destino trágico de Nerissa e Katherine Bowes-Lyon

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Em 1987, o tabloide britânico The Sun publicou uma história que chocou o país: Nerissa e Katherine Bowes-Lyon, primas da rainha Elizabeth II, haviam sido declaradas mortas erroneamente quase 25 anos antes. Ambas, na verdade, estavam vivas e internadas em um hospital psiquiátrico, longe dos olhos do público.
Nerissa nasceu em 1919 e Katherine em 1926. Elas tinham deficiências cognitivas severas e, segundo relatos médicos da época, não passaram da idade mental de quatro a seis anos. A mãe, Fenella Bowes-Lyon, aparentemente tentou esconder a condição das filhas do público, e por isso as internou.
Na edição de 1963 do Burke’s Peerage, um registro da nobreza britânica, constava que Nerissa havia morrido em 1940 e Katherine em 1961. A farsa perdurou até 1987, um ano após a morte real de Nerissa, quando o tabloide descobriu Katherine ainda internada e publicou uma foto sua na capa com a manchete: "Prima da Rainha trancada em hospício".
A revelação gerou acusações de um encobrimento por parte da família real, motivou o documentário The Queen’s Hidden Cousins (Channel 4, 2011) e até inspirou uma cena da série The Crown, da Netflix.

Trajetória
Nerissa Bowes-Lyon nasceu em 18 de fevereiro de 1919, filha de John Herbert Bowes-Lyon (irmão da Rainha Mãe) e Fenella Bowes-Lyon. Em 4 de julho de 1926, nasceu Katherine. O casal teve mais três filhas.
As deficiências das meninas se tornaram evidentes logo após o nascimento. Ambas eram não verbais e tinham limitações cognitivas significativas. Os parentes acreditavam que havia uma condição hereditária grave, provavelmente vinda do avô materno, Charles Trefusis, 21º Barão Clifton.
Os cuidadores das irmãs afirmaram mais tarde que, apesar das dificuldades, elas conseguiam se comunicar de maneira rudimentar e entendiam mais do que aparentavam.
Uma enfermeira que cuidou delas disse no documentário de 2011: "Hoje em dia, provavelmente fariam fonoaudiologia e se comunicariam muito melhor". Outra cuidadora comentou: "Elas não davam trabalho, mas eram travessas, como crianças arteiras. Katherine era espevitada. Você podia gritar com ela, e ela simplesmente ignorava".
Na época, era comum que famílias escondessem parentes com deficiência. No caso da família Bowes-Lyon, com ligações diretas à realeza, isso era visto como ainda mais necessário. John Herbert Bowes-Lyon era irmão da Rainha Mãe, o que tornava Nerissa e Katherineprimas de primeiro grau da rainha Elizabeth II.
Após a morte de John em 1930, Fenella decidiu internar as filhas. Inicialmente, foram enviadas para a Arniston School, voltada a filhos com deficiência da aristocracia. Em 1941, foram transferidas para o hospital psiquiátrico Royal Earlswood, em Surrey, onde permaneceriam praticamente invisíveis ao público.
Curiosamente, no mesmo dia da internação, três sobrinhas de Fenella — Idonea, Etheldreda e Rosemary, filhas de Harriet Trefusis — com deficiências semelhantes, também foram internadas no mesmo local.

A revelação por parte do The Sun de que as duas haviam sido internadas, esquecidas e dadas como mortas causou indignação. A família foi acusada de abandono e de querer esconder as mulheres por vergonha. Segundo o tabloide britânico, o Palácio de Buckingham limitou-se a dizer: "Não temos nenhum comentário. Trata-se de um assunto da família Bowes-Lyon".
Familiares tentaram justificar dizendo que Fenella teria cometido um erro ao preencher os formulários do Burke’s Peerage. Outros disseram que as irmãs recebiam visitas regulares — o que foi negado por funcionários do hospital.
Um gestor do hospital afirmou que as visitas cessaram na década de 1960 após a morte de um parente próximo. Dot Penfold, enfermeira que trabalhou no local, disse: "A impressão que eu tinha era de que tinham sido esquecidas" (Channel 4, 2011).
Houve também críticas à escolha do hospital. O Royal Earlswood tinha má reputação por superlotação e denúncias de maus-tratos. Katherine permaneceu no hospital até 1997, quando a instituição foi fechada devido a denúncias de abusos. Em seguida, ela foi transferida para uma casa de repouso em Surrey.
Morte e legado
Nerissa morreu em 1986, aos 66 anos, e foi enterrada com um marcador plástico e um número de série. Nenhum parente compareceu ao funeral. Já Katherine continuou levando uma vida solitária.
Um administrador do hospital afirmou: "Ela era uma senhora idosa e frágil, com dificuldade para entender o mundo à sua volta. Era como uma criança". Segundo ele, nenhum familiar a visitava desde os anos 1960, e isso não mudou mesmo após a exposição pública. Ela morreu em 23 de fevereiro de 2014, aos 87 anos, e foi enterrada próxima da irmã.
A história das irmãs voltou à tona em 2020, na quarta temporada da série The Crown, no episódio 'The Hereditary Principle'. Nele, a princesa Margaret confronta a Rainha Mãe sobre o paradeiro das primas escondidas, que responde: "A doença delas, sua idiotice e imbecilidade, fariam as pessoas questionarem a integridade do sangue real".
A cena, embora impactante, é uma dramatização ficcional. Na realidade, não há evidências de que Margaret tenha descoberto a situação das primas dessa forma ou confrontado sua mãe a respeito. A inclusão dessa narrativa serve para explorar temas como o estigma da saúde mental e as pressões da monarquia para manter uma imagem de perfeição.
Médicos da época classificaram oficialmente Nerissa e Katherine como "imbecis" e "idiotas", termos clínicos usados até meados do século 20. Em outra cena da série, as atrizes que interpretam as irmãs assistem a um discurso da rainha pela TV e a saúdam com reverência — até serem interrompidas pelas enfermeiras com medicação. A cena resume de forma dramática a invisibilização e abandono que marcaram suas vidas.


