Cortina de Fumaça: O caso real que inspirou a nova série da Apple TV+

Aventuras Na História






A Apple TV+ estreou nesta sexta-feira, 27, a série "Cortina de Fumaça", drama criminal de nove episódios estrelado por Taron Egerton, Jurnee Smollett ("A Ordem"), Greg Kinnear, Anna Chlumsky ("Meu Primeiro Amor; "Vice") e John Leguizamo ("Moulin Rouge: Amor em Vermelho").
Criada por Dennis Lehane ("Sobre Meninos e Lobos"), a produção é baseada em uma onda real de incêndios criminosos que atingiu o sul da Califórnia entre os anos 1980 e 1990. A série acompanha Dave Gudsen (Egerton), investigador de incêndios em uma cidade fictícia do noroeste dos EUA, que enfrenta o colapso da vida pessoal enquanto tenta solucionar uma sequência de incêndios suspeitos.
Ao lado da detetive Michelle Calderone (Smollett), ele passa a investigar a possibilidade de que o autor dos crimes esteja dentro da própria corporação. Embora a história tenha raízes reais, "Cortina de Fumaça" é ambientada nos dias atuais e aposta numa abordagem psicológica.
Parece o nosso mundo, mas mais sombrio, mais distorcido”, disse Lehane à revista TIME.
A série foi filmada com efeitos práticos em um palco de incêndios construído em Vancouver, no Canadá, e tem direção inicial de Kari Skogland. “Não há efeitos especiais ali. É o Taron no set, cercado de tubos jorrando fogo de verdade”, acrescentou.
Egerton aprovou a decisão. “Todo mundo está cansado de CGI. Há algo valioso em efeitos práticos”, disse à revista. “Foi difícil, mas o que vale a pena raramente é fácil. Tem uma magia ali". A trilha de abertura é assinada por Thom Yorke, com a música inédita “Dialing In”. Confira o trailer a seguir:
Caso real
O caso real que inspirou a série começou com o incêndio da loja Ole’s Home Center, em South Pasadena, em 10 de outubro de 1984, que matou quatro pessoas: Jimmy Cetina, de 17 anos, Carolyn Kraus, de 26, Ada Deal, de 50, e seu neto Matthew Troidl, de apenas dois anos.
O fogo teve início perto de um saco de batatas fritas, que funcionou como combustível sólido, aceso por um cigarro que queimou até atingir fósforos e papel. Embora inicialmente considerado acidental, o incêndio foi apontado como criminoso pelo então capitão dos bombeiros John Leonard Orr, que estava entre os primeiros a chegar ao local — mas ninguém suspeitava que ele mesmo fosse o autor do crime.
Esse foi apenas um entre cerca de 2 mil focos suspeitos registrados no sul da Califórnia entre meados da década de 1980 e o início dos anos 1990. Os alvos eram, quase sempre, lojas ou depósitos com materiais inflamáveis, muitas vezes artigos de cama feitos de poliuretano — o que rendeu a Orr o apelido de Pillow Pyro (Pirômano do Travesseiro).
O método usado seguia sempre o mesmo padrão: um dispositivo de ignição retardada feito com cigarro, fósforos e papel amarelo, que permitia que ele se afastasse antes das chamas começarem.
A desconfiança sobre alguém de dentro dos próprios bombeiros cresceu após incêndios ocorrerem próximos a conferências de investigadores de incêndio, às quais Orr também comparecia. A primeira grande pista surgiu quando sua digital foi encontrada num artefato incendiário não detonado. Ainda assim, demorou para que a investigação chegasse a ele, já que tinha fama de excelente profissional, elogiado pela rapidez em identificar causas de incêndios e por chegar sempre cedo às ocorrências.
“As pessoas admiravam ele,” contou Tom Propst, que era inspetor de prevenção de incêndios no Corpo de Bombeiros de Glendale nos anos 1990, à Newsweek. “Ele sempre sabia onde ficavam os hidrantes… A gente só pensava: ‘Caramba, esse cara tem muito conhecimento.’ Ele era milagrosamente rápido para descobrir as causas dos incêndios. Ele vasculhava as cinzas, reduzia as possibilidades, e a gente ficava, tipo: ‘Cara, você é bom.’”
Durante as investigações, descobriu-se que Orr havia escrito um romance de 104 mil palavras, Points of Origin (“Pontos de Origem”), cujo protagonista, Aaron Stiles, é um bombeiro incendiário que provoca uma série de incêndios na Califórnia. O livro trazia descrições assustadoramente semelhantes aos crimes reais — inclusive um incêndio em uma loja de ferragens que mata uma mulher e seu neto pequeno.
Há trechos do romance em que o personagem demonstra excitação sexual ao atear fogo, o que foi usado pelos promotores para reforçar as acusações. Em um trecho, Orr escreveu: “Para Aaron, a fumaça era linda, fazendo seu coração bater mais rápido e sua respiração vir em ofegos curtos. Ele tentava controlar sua aparência para parecer normal para qualquer pessoa ao redor. Olhou em volta e não viu nada, o terreno estava vazio. Relaxou e acariciou parcialmente sua ereção, observando o fogo.”
Segundo um artigo do Los Angeles Times de 1998, as evidências incluíam também “40 fitas de vídeo e 70 fitas de áudio feitas em dezenas de incêndios, comunicações com autoridades policiais, consultas a agentes literários e o depoimento de mais de 100 testemunhas.”
Condenado inicialmente em 1992 a 30 anos de prisão por incêndio criminoso, Orr foi posteriormente julgado e condenado à prisão perpétua sem direito a liberdade condicional por quatro homicídios em primeiro grau e diversos incêndios.
A história virou tema do podcast “Firebug” (2021), criado por Kary Antholis e Marc Smerling, que serviu de base para a adaptação da série “Cortina de Fumaça”. Orr, que o FBI classificou como “provavelmente o incendiário americano mais prolífico do século 20”, continua preso na Mule Creek State Prison, na Califórnia.
Segundo Lehane, o foco da produção não está na solução do crime, mas nas motivações e distorções morais dos envolvidos. “Todos os personagens se enganam, e isso só traz sofrimento. Com exceção de um, ninguém é honesto consigo mesmo — e veja quanta dor isso causa”, afirmou. “O que sempre me move é a psique humana. Acho que essa história é sobre pessoas excitadas por aquilo que pode matá-las”.


