'O que matou Raul Seixas é a única droga liberada, o álcool', diz Paulo Coelho

Márcia Piovesan








Durante uma entrevista exclusiva a Rolling Stone, o escritor Paulo Coelho recordou sua relação de amizade com Raul Seixas. Na conversa, ele abordou a série Raul Seixas: Eu Sou, do Globoplay, e refletiu sobre a morte do cantor.
“O que matou Raul, e a série mostra muito bem, é a única droga liberada que é o álcool. O álcool matou ele. É impressionante”, declarou.
Ao ser perguntado sobre a ausência das filhas de Raul na vida do artista, Paulo Coelho compartilhou sua opinião pessoal. “Eu acho que uma das coisas que matou o Raul — isso é uma especulação minha —, foi a ausência da família. No final, ele estava ali, abandonado por todos. Minha esposa, Christina, o viu em Noites Cariocas e viu como xingavam ele; muito agressivos com ele, sabe? Então, ele teve um final de vida muito triste, mas muito triste. Enfim”, relembrou.
O autor também contou como conheceu Raul Seixas, dizendo que o encontro aconteceu em uma praia, onde os dois acreditaram ter visto um objeto voador não identificado. “Sim, e eu acredito que vimos. Eu não me lembro direito. Tem muita coisa da série que não me lembro direito, mas sim. Eu me aproximei do único cara que estava na praia, que era ele, e vimos o que pelo menos pensamos ser um disco voador”, contou.
Chorou!
Paulo ainda elogiou a produção da série no Globoplay. “Olha, quando acabei de assistir, comecei a chorar, porque foi muito fiel, exceto por uma coisa. Quando saí da prisão, não fui à casa do Raul, ao contrário. Todo mundo sumiu naquela época… Mas, pelo resto, foi muito fiel, até a coisa do telefonema é verdade”, afirmou. Ele também destacou o que mais o tocou durante os episódios. “Aí, cara, eu disse: ‘Porra, nesses anos que passei com o Raul, vivi muito’. Quer dizer, sempre vivi muito. Não tenho do que me queixar com o Paulo que já deu mais de uma vez uma volta no mundo. Comecei a chorar”.
Confira parte da entrevista:
Paulo, gostou da série?
“Sim, sim. Olha, quando acabei de assistir, comecei a chorar, porque foi muito fiel, exceto por uma coisa”.
Qual?
“Quando saí da prisão, não fui à casa do Raul, ao contrário. Todo mundo sumiu naquela época… Mas, pelo resto, foi muito fiel, até a coisa do telefonema é verdade”.
Foi essa fidelidade da série que o fez chorar?
“Aí, cara, eu disse: ‘Porr* nesses anos que passei com o Raul, vivi muito’. Quer dizer, sempre vivi muito. Não tenho do que me queixar com o Paulo que já deu mais de uma vez uma volta no mundo. Comecei a chorar”.
Ver sua juventude passar o emocionou até as lágrimas. Foi isso?
“Sim. A empregada que estava em casa perguntou: “Está chorando por quê?” Eu disse: “Porque acabei de ver a série, aliás, você tem que ver”. Aí ela disse: “Ah, vou ver”. Acho que não viu até hoje. Mas foi muito emocionante”.
Voltemos. Aquele encontro na praia, Paulo. É real e verdadeiro? Vocês viram o disco voador ou não?
“Sim, e eu acredito que vimos. Eu não me lembro direito. Tem muita coisa da série que não me lembro direito, mas sim. Eu me aproximei do único cara que estava na praia, que era ele, e vimos o que pelo menos pensamos ser um disco voador”.
Ou seja, vocês realmente se conheceram aí?
“Na praia, é”.
Porque no seriado, é aparentemente a mulher do Raul que recomenda a ele para procurar um parceiro, no caso, trabalhar com você. E você duvida muito, inicialmente, em fazer a parceria.
“Claro. Porque era música, e música era uma coisa, enfim, de segunda classe. Então, para mim, intelectual clássico daqueles anos, ficava muito contente se ninguém me entendia. Eu não queria ser entendido, eu queria ser complicado. Ser um gênio sempre é complicado. Até que Raul… ele realmente tem esse mérito. Ele disse: ‘Que bobagem, cara. Não tem nada a ver com isso. Ser gênio é ser entendido’”.
Essa reflexão do Raul foi que realmente os aproximou, gerou a parceria? Essa foi a faísca?
“A faísca foi que eu precisava de anúncios. Então, eu disse: “Pô, vou jantar com esse cara, da gravadora, porque pode ser que eu consiga um anúncio com ele”. E aí eu vi a música, mostrou as músicas, principalmente essa ‘Oh! Seu moço! Do Disco Voador’, que foi feita, se não me engano, baseada no nosso encontro na praia”.
A necessidade do anúncio se entende, OK. Mas a faísca foi essa música. E a gravadora?
“Eu fiquei muito impressionado, porque aquilo era um mundo totalmente diferente de mim. Bom, aí na gravadora tinha salgadinhos, sabe? Eu disse: ‘O cara tem salgadinhos… estão me oferecendo salgadinhos, que horror!'”.
Risos…
“E eu doido para acabar com aquilo, né? Ir embora com uma garantia de que eu teria um anúncio, o que não consegui. Mas ouvi a música que ele me mostrou. Eu disse: “Que cara interessante”. A parceria veio naturalmente. Não posso te especificar como a coisa foi evoluindo. Mas ele vivia lá em casa, ia bater papo. No começo, eu ainda tinha certa esperança de que ele ia me dar um anúncio. Depois, passei a gostar da companhia dele. Aí a gente ficava conversando abobrinha. A separação foi a prisão, a única coisa que não é fiel na série”.
Esse capítulo, evidentemente, marcou muito você. Você acha que ele te dedurou quando o interrogaram?
“Não. Tem uma biografia que diz que sim, mas não. Eu não acho. Antigamente todo mundo que era preso e solto e queria sair do país tinha que ir no DOPS para explicar porque queria sair do país. Aí eu fui e uma vez um cara lá, no DOPS, botou assim para eu ver o resultado, né? Ou seja, eu era tão apavorado que nem olhei aquele papel. Olhei para o outro lado. Dizia: ‘Se eu olhar e descobrir…’”
Voltemos à série. Você se sentiu perfeitamente representado pelo ator João Pedro Zappa? Porque a voz dele é igual à sua.
“Inacreditável, né? Até achei que fosse inteligência artificial, mas não. Eu gostei demais do cara. Fiquei muito surpreso da voz dele ser assim, sabe? Muito parecida com a minha. E os gestos, as falas”.
Você já se comunicou com o ator? Ele te procurou antes das filmagens?
“Nada. Até eu li uma entrevista na qual ele disse que não queria se deixar influenciar, mas não me procurou. Agora a Netflix vai fazer uma série sobre o meu primeiro livro, ‘O Diário de um Mago’, e o ator me procurou. Vai ser o Rodrigo Santoro”.
E Ravel Andrade, o ator que representa Raul? Ele parece representá-lo muito bem.
“Claro! Eu olho para aquele cara e vejo o Raul”.
Falou isso com o diretor da série, Paulo Morelli?
“Não. Eu tentei falar com o diretor, não consegui. Mas para agradecer. Acho que agradecer é uma coisa importante. Fernando Meirelles, da produtora O2, me escreveu e agradeceu. Na mesma hora eu falei que tinha adorado a série. E todo mundo estava esperando que me posicionasse, se eu adorei”.
Paulo, você não considerava música e, portanto, obviamente não fazia letras de música até chegar a essa instância com o Raul, mas poesia: você já escrevia ou não?
“Uma vez alguém escreveu a seguinte frase: “Minha veia poética só fez-me prejudicar”. Então eu decidi nunca mais escrever poesia, apenas livros. Mas os livros eram ilegíveis, não dava nem para ler, eu queria ser incompreendido”.
Você tem algum exemplar da Revista 2001?
“Boa pergunta. Acho que não [Christina acredita que ainda conservam um exemplar, prometeu procurar. “Mas até achar isso vai ser impossível”, disse Paulo a Christina]”.
Aquele pseudônimo que você usava, Augusto Figueiredo, a pessoa que Raul foi procurar na redação da 2001, você tomou de onde?
“Eu inventei vários nomes falsos. No segundo número, de um total de dois, Raul aparece como colaborador”.
O disco voador era uma coisa já incorporada em vocês dois? Porque era uma época em que todos víamos algum disco voador. Essa é a verdade. Era uma fantasia da época.
“Até hoje eu sou capaz de afirmar, garantir, que não vi só um, mas vários discos voadores. Por exemplo, eu e Christina, fomos passar 40 dias no deserto. E eu posso jurar que vimos três discos voadores”.
Então esses discos voadores não eram alucinações das drogas de juventude? Mas elas liberavam vocês para tanta criatividade musical, ou não?
“Liberavam. Eu usava droga e achava tudo magnífico, tudo que eu escrevia era um espetáculo. Tudo passava perfeito, e era tudo uma droga… Então, liberavam o lado mau — não vamos julgar, mas um lado que não tinha nada a ver”.
Ou seja, sem drogas, vocês teriam sido os mesmos triunfadores que foram naquele momento?
“Acredito que sim”.
Ou talvez, sem elas, teriam ido ainda mais longe?
“É… Mas, o que matou Raul, e a série mostra muito bem, é a única droga liberada que é o álcool. O álcool matou ele. É impressionante”.
Você, na série, aparece sempre como o mais controlado dos dois. Em todos os aspectos, você é um pouco o fio terra dele. Era assim?
“Era assim. Eu acho que a série é muito fiel a esse aspecto”.
Você chega a cantar em um show, ou cantou em mais de um?
“Só no Canecão [extinta casa de shows do Rio de Janeiro]”.
Mas nunca passou pela sua cabeça ser cantor?
“Não! Foi pela cabeça dos executivos da gravadora, que, depois que Raul se afastou, eu deveria me jogar como cantor. Eu disse: ‘Tá doido?’ Não era a minha”.
Nesse momento em que Raul fica quatro anos afastado, praticamente sem gravar, nem ser chamado, e a gravadora coloca você a ajudar outros artistas, como Rita Lee, você teve química também? Funcionou? Ou você acha que o carimbo de Raul estava por demais impregnado em você?
“O que aconteceu foi que fazer música com os outros cantores me dava dinheiro. Eu precisava desse dinheiro. Mercenário”.



