Museu do Walmart é atração em cidade pequena dos EUA

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Alheia à presença de indústrias ou arranha-céus, Bentonville é uma cidade tão escondida no mapa turístico dos EUA que até mesmo os americanos têm dificuldade em apontar onde ela fica. É neste pequeno município no noroeste do Arkansas, entretanto, que nasceu e ainda se mantém a sede do Walmart, a maior rede varejista do planeta, com mais de 10.500 lojas espalhadas por 19 países e 2,1 milhões de funcionários – número que faz dela a maior empregadora privada do mundo, atrás apenas de órgãos governamentais como os da Índia, dos EUA e da China.
Parte dessa história é contada no Walmart Museum (Museu do Walmart), situado na Bentonville Square, praça que fica no centrinho da cidade. O endereço não foi escolhido por acaso. Foi ali que, em 1950, Sam Walton, ex-militar nascido no Oklahoma, montou a Walton’s 5&10, uma espécie de loja de descontos (tipo R$ 1,99) daqueles tempos e embrião do conglomerado que viria a surgir.
O comércio não foi a primeira empreitada de Sam no setor. Cinco anos antes, em 1945, ele havia aberto com o irmão James “Bud” Walton uma franquia da loja de variedades Ben Franklin em Newport, também no Arkansas, a cerca de 430 km de distância de Bentonville. Ao estudar a concorrência e colocar em prática conceitos como compras diretas de produtores, alto volume de oferta e vendas por preços baixos, os irmãos Walton fizeram o negócio decolar. Em contrapartida, o sucesso levou o proprietário do imóvel a pedi-lo de volta, forçando os empreendedores a procurar outras paragens.
Museu do Walmart
Loja com produtos antigos na entrada do Museu do Walmart | Paulo Basso Jr.
Foi assim que Sam se mandou com a mulher Helen para o noroeste do Arkansas e criou a Walton’s 5&10. Hoje, o local que abriga o Museu do Walmart preserva a fachada original da loja, bem como partes do teto ornamentado e do piso original quadriculado em verde e vermelho no interior.
Nada chama mais atenção, porém, do que as prateleiras forradas de produtos que remetem aos que ali eram oferecidos na segunda metade do século passado. Há bilboquês, bonecos do Senhor Cabeça de Batata, modelos históricos da Barbie e garrafas de Grapette à venda – infelizmente, pelos preços atuais.
Em meio a essas e outras memorabilias, o visitante adentra ao museu propriamente dito, cujo acesso é gratuito. Recentemente reformado, o espaço enxuto conta com boa curadoria e revela de maneira cronológica, por meio de murais, objetos e painéis interativos, como o Walmart se tornou uma das marcas mais conhecidas do mundo.
A primeira loja do Walmart
Detalhes da primeira loja do Walmart, aberta em 1962 em Rogers, Arkansas | Paulo Basso Jr.
Sam Walton mudou de cidade, mas não de convicções. Estabelecido em Bentonville, seguiu repensando o modelo do varejo e apostou todas as fichas na teoria de que venderia mais caso cobrasse menos, mesmo que isso reduzisse ao extremo a margem de lucro por item. A conta fecharia no volume.
A ideia simples, mas ousada para a época, deu tão certo que, uma década depois, o mais famoso dos Waltons, associado a familiares, já tinha aberto 16 lojas de descontos (15 delas franquias da Ben Franklin) nos estados do Arkansas, Missouri e Kansas.
Com a ampliação dos negócios, era hora de dar um passo adiante. E foi assim que, em 1962, foi inaugurado o primeiro Walmart Discount City em Rogers, cidade vizinha a Bentonville. A unidade tinha 5.000 m² e vendia desde confecção para crianças e adultos até brinquedos, livros e autopeças. Ainda é possível visitar a loja número 1, hoje transformada em um supermercado convencional da rede.
Sam, por mais otimista que fosse, não devia imaginar o potencial que tinha em mãos diante do negócio recém-parido – o que não o impediu de manter-se meticuloso. Por trás das vendas, aprofundou-se no estudo do comportamento das pessoas. Observava o que o público comprava, como reagia às promoções e como se relacionava com os funcionários. Tudo era anotado e transformado em estratégias elaboradas em seu escritório, que foi reproduzido no museu exatamente como ele o deixou antes de falecer, em 1992.
Ali estão uma mesa de madeira abarrotada de papéis, canetas e grampeadores, uma luminária antiga e uma cadeira desgastada. Em uma das paredes, destaca-se um quadro que retrata o bem-sucedido empresário ao lado de cães. Seu favorito, um setter inglês chamado Ol' Roy, chegou a emprestar o nome para uma marca própria de ração lançada pelo Walmart.
O cliente tem sempre razão
Réplica de escritório de Sam Walton no Museu do Walmart | Paulo Basso Jr.
Apesar de não ter criado o conceito de que “o cliente tem sempre razão” – comumente associado a Harry Gordon Selfridge, fundador da loja de departamentos Selfridges, no início do século 20 –, Sam também acreditava nele e tinha por hábito aceitar qualquer item de volta.
Em uma das seções mais divertidas do Museu do Walmart é possível ver murais com alguns desses produtos, entre eles uma vara de pesca que, segundo o consumidor, “não pegava peixe”, um termômetro de parede devolvido porque “não mostrava a hora certa”, uma batedeira elétrica considerada “possuída” por conta do comportamento estranho e até uma garrafa térmica da marca Stanley que “quebrou” após ter sido comprada em 1954, oito anos antes de o primeiro supermercado da rede abrir.
Tudo isso fez com que o público aumentasse e o Walmart crescesse exponencialmente. Nas décadas seguintes, filiais foram abertas nos 50 estados dos EUA. Hoje, apenas no país, a empresa soma mais de 4.600 lojas. Na maior parte do território, há uma unidade a menos de 16 km de qualquer cidadão americano. Isso sem contar os mais de 600 Sam’s Club, cuja primeira loja foi aberta em 1983 em Midwest City, no Oklahoma.
Em 1991, a varejista cruzou a fronteira e chegou ao México. Depois, expandiu-se para países como Chile, China, Canadá e até mesmo o Brasil, onde manteve-se por 23 anos, de 1995 a 2018, antes de encerrar as operações por decisão estratégica de mercado.
Picape F-150
A famosa picape F-150 de Sam Walton está exposta no museu | Paulo Basso Jr.
Ao caminhar pelo Museu do Walmart é possível observar diversos elementos que contribuíram para o sucesso do conglomerado, com destaque para o investimento em marketing. A famosa cantora country Dolly Parton, por exemplo, estrelou várias campanhas publicitárias da marca, dando início a uma linhagem que, atualmente, inclui parcerias de produtos estrelados por nomes como Paris Hilton, Drew Barrymore e Sofía Vergara.
Sam Walton, porém, sempre preferiu manter-se distante dos holofotes. Sua maior aparição foi quando ganhou a Medalha Presidencial da Liberdade, a maior honraria civil dos EUA, entregue pelo presidente George H. W. Bush em 1992 – poucos meses antes da morte do empresário. O reconhecimento veio não apenas pelo sucesso financeiro, mas pelo impacto social de sua filosofia de negócios.
Por ter mantido hábitos simples, Sam é uma figura querida até hoje em Bentonville. Os mais antigos adoram contar histórias de quando ele rodava pela cidade rural a bordo de uma picape Ford F-150 vermelha, que comprou em 1979 e dirigiu até os últimos dias. Certa vez, ao ser questionado por que andava com uma caminhonete tão simples, respondeu: “O que mais eu precisaria?”.
Sorvete bom e barato
O Spark Cafe fica no Museu do Walmart | Paulo Basso Jr.
Com pintura desbotada e caçamba amassada, o veículo está exposto no primeiro andar do museu. Quem passa por ele alcança o Spark Cafe, sorveteria que remete a mais um costume que marcou a trajetória do fundador do Walmart: o de atender pessoalmente os clientes, muitas vezes oferecendo uma bola de sorvete ou um refrigerante enquanto conversava. Era uma forma de criar conexão direta com o público mesmo depois que a empresa se tornou uma gigante do varejo.
Inspirado nas antigas fontes de refrigerante dos anos 1950, o Spark Café usa produtos da Yarnell’s, marca tradicional de sorvete do Arkansas, e mantém os preços baixos para refletir a teoria de vendas de Sam.
Generosas bolas custam pouco mais de um dólar e incluem desde sabores tradicionais, como chocolate e morango, até o F-150, de bolo vermelho com cream cheese, e o Spark, ícone da casa, de baunilha com corante azul – inspirado na logomarca do Walmart, que remete a uma faísca. O sabor preferido do fundador do grupo, vale saber, era o butter pecan (manteiga com noz-pecã), que também pode ser provado por lá.
A fortuna da família Walton
No museu, dá para "conversar" com o holograma de Sam Walton | Paulo Basso Jr.
Enquanto o primeiro andar do Museu do Walmart foca na história da marca, o segundo traz experiências interativas. Em uma delas, é possível “conversar” com o holograma do fundador. Ao lado, dá para personalizar adesivos coloridos com o logo da companhia e imprimi-los ali mesmo, gratuitamente.
Há ainda referências a executivos que se destacaram ao longo da história da empresa e aos herdeiros de Sam, que colhem os frutos de o conglomerado figurar, hoje, entre as líderes da Fortune Global 500, lista que aponta as marcas mais valiosas do mundo. Em 2024, o faturamento anual da companhia ultrapassou US$ 600 bilhões.
Tudo isso faz da família Walton, que ainda é a maior acionista individual do grupo (atualmente com capital aberto), uma das mais ricas do planeta. Três dos filhos de Sam – Rob, Jim e Alice – estão entre os maiores bilionários do mundo, ocupando as 11º, 12º e 15º posição, respectivamente, segundo a “Forbes”. A fortuna combinada deles ultrapassa os US$ 300 bilhões, superando dinastias como as dos Mars (chocolates) e dos Koch (energia). Ainda de acordo com o ranking, Alice Walton é a mulher mais rica do mundo.
Legado em Bentonville
Trilha na "capital mundial da mountain bike" | Paulo Basso Jr.
Os cofres lotados e a obrigação de atrair talentos não apenas do mercado americano, mas de todo o mundo, levou os Walton a investir pesado no desenvolvimento de Bentonville. Na última década, a pequena comunidade rural encravada na região de Ozarks, no coração dos EUA, saltou de 22 mil para 55 mil habitantes e tem caminhado a passos largos para se transformar em um polo de inovação, arte e esportes.
Entusiastas e praticantes de ciclismo, por exemplo, são vistos aos montes por lá. Isso porque os órgãos de turismo locais atrelaram à cidade a alcunha de “capital mundial da mountain bike”. Apaixonados pela modalidade, os irmãos Steuart e Tom Walton, netos de Sam, injetam aproximadamente US$ 80 milhões por ano na construção de um ecossistema de trilhas que já soma mais de 500 quilômetros entre pistas pavimentadas e off road, ligando vários municípios da região.
Não à toa, Bentonville passou a ser usada como base pela seleção americana de mountain bike. De quebra, grandes nomes de diferentes categorias do ciclismo, como Lance Armstrong e Kate Courtney, vivem participando de eventos locais. Isso sem contar o apoio a lojas de acessórios, casas de temporada e hotéis preparados para quem vai ao noroeste do Arkansas para pedalar. Até mesmo o bar mais famoso da cidade, o Pedaler’s Pub, tem como temática o universo das magrelas.
Crystal Bridges Museum of American Art
Crystal Bridges Museum of Art | Paulo Basso Jr.
O maior legado turístico dos Walton na região, entretanto, é o Crystal Bridges Museum of American Art, fundado por Alice Walton. Com uma das coleções mais importantes de arte americana do país e um moderno projeto paisagístico elaborado pelo arquiteto israelense Moshe Safdie, o local é extremamente fotogênico e tem um quê de Inhotim, com artes distribuídas em alas internas e trilhas que adentram bosques e margeiam lagos.
Com entrada gratuita, o Crystal Bridges mantém em seu acervo obras de Andy Warhol, Diego Rivera, Georgia O'Keeffe, Edward Hopper, Louise Bourgeois, Norman Rockwell, Dale Chihuly e Yayoi Kusama, sem contar uma das poucas residências projetadas por Frank Lloyd Wright, um dos nomes mais respeitados da arquitetura. O detalhe é que a casa, batizada de Bachman-Wilson House, foi retirada do lugar original, em New Jersey, onde sofria com enchentes, e remontada integralmente em Bentonville.
De tão grande, a área do museu passou a abrigar, em 2025, uma Faculdade de Medicina, a primeira do gênero na cidade (a Universidade do Arkansas, base política do ex-presidente Bill Clinton, fica em Fayetteville, a cerca de meia hora de carro de lá). Nos próximos anos, o antigo prédio em que a sede do Walmart se estabeleceu por décadas também deverá ser convertido em um centro de ensino superior – provavelmente, voltado à Ciência e Tecnologia.
Maior escritório do mundo
Sede do Walmart em Bentonville | Paulo Basso Jr.
Isso só será possível porque, desde janeiro, os cerca de 15 mil funcionários da empresa na cidade estão migrando, em grande parte, para um espaço de 400 acres que, ao ser finalizado em dezembro, ostentará o título de maior escritório de uma empresa no mundo.
O projeto inclui 12 prédios funcionais, além de academia, anfiteatro, praça de alimentação com diversos restaurantes, hotel, lago, trilhas para caminhada, pistas de bike e um Centro de Visitantes que destaca, na fachada, uma réplica do letreiro original do primeiro supermercado da rede, de 1962. E pensar que tudo isso começou com uma versão americana de loja de R$ 1,99, hein!



