A mulher deportada dos EUA por publicar romance lésbico e que foi morta pelos nazistas

Aventuras Na História








Na década de 1920, em uma época em que o amor entre pessoas do mesmo sexo era criminalizado nos Estados Unidos, mulheres lésbicas encontraram refúgio em um modesto salão de chá em pleno coração do boêmio Greenwich Village, em Nova York. Conhecido como Eve’s Hangout, ou Eve’s Tearoom, o local era gerido por uma ousada imigrante judia polonesa chamada Eve Adams — nascida Chawa Zloczewer.
Embora tenha durado apenas dois anos, o salão de chá inaugurado em 1924 na 129 MacDougal Street é considerado uma referência na história lésbica. Afinal, conforme destacou a historiadora Lillian Faderman, o estabelecimento representava algo extremamente raro nos anos 1920: um espaço público onde mulheres que amavam mulheres se sentiam minimamente protegidas.
Em um contexto em que o FBI vigiava radicais políticos e figuras "indesejáveis", Adams logo atraiu a atenção das autoridades. Imigrante, judia, anarquista, lésbica e dona de um espaço frequentado por artistas e pensadores de esquerda — ela era, aos olhos do governo, uma ameaça em múltiplas frentes.
Amor Lésbico
Em 1925, ela publicou Lesbian Love (Amor Lésbico), um pequeno livro distribuído de forma privada, em tiragem limitada a 150 exemplares. O livro era uma coletânea de vinhetas sobre mulheres lésbicas reais (protegidas por pseudônimos), revelando seus amores, conflitos e prazeres.
Personagens como Jonnie, Ann e Sara ganhavam vida nas páginas, refletindo o cotidiano emocional de um mundo quase invisível ao público em geral. No apêndice do livro, uma personagem (possivelmente inspirada na própria Adams) narra seu despertar sexual ao lado de uma mulher mais velha.

Mas, como explica a revista Smithsonian, na época, a palavra "lésbica" carregava forte estigma, e a mera sugestão de relacionamentos entre mulheres podia levar à prisão. Adams, no entanto, não se escondeu.
Ela estava dizendo a palavra em voz alta", destaca o historiador Jonathan Ned Katz, autor da biografia 'The Daring Life and Dangerous Times of Eve Adams' ('A vida ousada e os tempos perigosos de Eve Adams').
Katz descreve o livro como amador, mas profundamente humano e corajoso. "Foi tão heroico da parte dela juntar essas histórias", declarou. "São diferentes tipos de mulheres: algumas engraçadas, outras dominadoras. Ela parecia mostrar que as lésbicas são tão loucas quanto todas as outras. Era tão incomum para esta época."
Prisão
Em 1926, as autoridades usaram o livro como pretexto para prender Eve, alegando "obscenidade". Uma policial disfarçada chamada Margaret Leonard infiltrou-se no salão e afirmou que Adams teria tentado seduzi-la.
O episódio resultou na condenação da empresária por conduta desordeira e obscenidade e ela teve de cumprir um ano de prisão, seguida de mais seis meses em uma penitenciária feminina. Por não ter finalizado seu processo de naturalização, Adams era ainda considerada estrangeira — e isso permitiu que as autoridades a deportassem.

Em uma audiência de deportação em novembro de 1926, ela tentou se defender: "Não consigo ver por que deveria ser condenada à prisão por escrever meu livro, que tinha o objetivo de apenas mostrar o lado humorístico da vida, o lado sério da vida e a tragédia, tudo em um". Mas seus argumentos não bastaram. Em dezembro de 1927, foi forçada a embarcar de volta para a Europa.
Adams passou os anos seguintes entre França e Suíça. Em Paris, trabalhou como jornalista e, em 1933, conheceu Hella Olstein, cantora judia de cabarés. As duas mulheres viveram juntas por mais de uma década e, mesmo após Hella se casar com um homem, Adams continuou morando com o casal. Embora os registros sobre o relacionamento não sejam totalmente claros, há fortes indícios de que foram mais do que amigas.
De Drancy a Auschwitz
Com o avanço da Segunda Guerra Mundial, a situação das duas mulheres tornou-se cada vez mais precária. Em 1942, o regime colaboracionista de Vichy intensificou a perseguição contra judeus estrangeiros.
Em 7 de dezembro de 1943, Adams e Hella foram presas e levadas ao campo de concentração de Drancy, nos arredores de Paris. O local era um ponto de passagem para judeus antes de serem deportados para campos de extermínio nazistas.

Dez dias depois, em 17 de dezembro, ambas foram colocadas em um trem com destino a Auschwitz-Birkenau. As condições na chegada eram brutais: fome, doenças, e a separação sumária entre quem seria forçado ao trabalho escravo e quem seria enviado às câmaras de gás.
Não se sabe exatamente o destino final de Adams e Olstein. Provavelmente foram assassinadas pouco após a chegada, como ocorreu com milhares de outros deportados, sem verem a libertação de Auschwitz em janeiro de 1945.
No entanto, um elo com o passado ainda persiste por meio de Eran Zahavy, sobrinho-neto de Adams. O avô dele, Yerachmiel Zloczewer (mais tarde Zahavy), era irmão mais novo de Adams e sobreviveu ao Holocausto por ter emigrado para a Palestina em 1931.
Yerachmiel passou a vida sem saber o destino final da irmã, mas, mesmo em seu leito de morte, em 1983, acreditava que Eve poderia ter escapado para a Espanha. Pediu então ao neto que a procurasse. Eran só veio a saber da sexualidade e da vida nova-iorquina da tia décadas mais tarde, afinal, o avô era muito religioso e o assunto era tabu.
"Ela confiava em pessoas que não deveria confiar. Ela foi corajosa. Ela não foi imprudente. Eu acho que ela foi ingênua", considerou Eran. "Ela não entendia o perigo real do que estava fazendo. As pessoas [disseram] a ela: 'Estamos na América. Nada pode acontecer conosco'".



