Ainda Estou Aqui: a carta em que Eunice Paiva detalhou o desaparecimento de Rubens

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Ainda Estou Aqui acompanha a história de Eunice Paiva, matriarca da Família Paiva, que lutou por Justiça após seu marido, o deputado cassado Rubens Paiva, ter sido preso por agentes da ditadura militar em 20 de janeiro de 1971.
Rubens jamais foi visto desde então e seu corpo nunca foi encontrado. Trata-se do caso mais emblemático de um desaparecido durante os Anos de Chumbo. Apenas em 1996, a Família Paiva recebeu seu atestado de óbito.
E somente com a Comissão da Verdade, em 2014, foi esclarecido que Rubens Paiva foi torturado e morto no DOI-Codi do Rio de Janeiro. Seu corpo foi enterrado e desenterrado algumas vezes antes de ser arremessado ao mar dois anos depois de sua morte.

Eunice Paiva e sua filha Eliana, de apenas 15 anos na época, também foram detidas e levadas ao mesmo local que Rubens Paiva. Eliana passou 24 horas por lá e relatou sua experiência em 2014.
Então, passavam os guardinhas e, ou davam um choque na minha cabeça, e me chamavam de comunista, ou tentavam abusar de mim. E eu não sabia onde estava a minha mãe. Mas o mais terrível desse momento foi quando comecei a ouvir as torturas horríveis que aconteceram nesse país. As pessoas pediam pelo amor de Deus que parassem de bater", recordou.
Já Eunice Paivaficou detida por 12 dias. Em liberdade, passou a lutar por Justiça pelo marido e para conseguir criar seus cinco filhos, agora, sozinha.
Eunice também enfrentou o Alzheimer até o fim de sua vida. Ela faleceu em 2018, aos 89 anos; se tornando um símbolo da memória pelas vítimas e da luta contra as atrocidades cometidas nos 21 anos que os militares estiveram no poder.
A carta de Eunice
Pouco após ser solta, em março de 1977, Eunice escreveu uma carta denunciando a prisão de seu marido, detalhando as circunstâncias da invasão de sua residência e fazendo um apelo às autoridades por respostas em relação ao destino de Rubens.
O documento de três páginas foi resgatado pela 'Comissão da Verdade do Estado de São Paulo — Rubens Paiva', estabelecido durante o governo de Dilma Rousseff; também torturada pelos militares.
"Esta carta é endereçada a Vossas Excelências por uma mulher que viu sua casa invadida por homens, de armas a mão, dizendo-se agentes de segurança, para levar presos, sem apresentação judicial ou determinação de qualquer autoridade policial militar, de início, seu marido: engenheiro Rubens Beyrodt/Paiva", começa a escrita.

Eunice também relata que ela e Eliana, sua filha de 15 anos, foram detidas, fazendo com que seus outros filhos fossem deixados, à própria sorte, em sua casa.
"Ê, pois, a um tempo, a carta da mãe, que conheceu a surpresa enorme, melhor diria a indignação, mantida no mais íntimo de si mesma, de assistir à prisão de uma filha, adiante encapuzada, como, igualmente, ela própria, para posteriormente, já, aí, não mais em sua presença, ser submetida aos traumas psicológicos terrivelmente brutais em sua idade…"
No documento, a matriarca da Família Paiva aponta ter sido vítima de prisão violenta e mantido incomunicável por 12 dias, sendo "interrogada horas sem fim, isolada do mundo, em condições de ambiente físico e humano que é melhor não referir, para, quem sabem ter a graça, um dia, de esquecer".
Eunice Paiva ainda se descreve como a esposa que busca respostas sobre o destino do marido ou a respeito das acusações impostas contra ele, "quase um mês decorrido do tormento que atingiu sua família".
A prisão
Na carta, Eunice conta que a prisão de Rubens Paivase deu no dia 20 de janeiro, feriado do Dia de São Sebastião, por volta do meio-dia, quando seu marido e seus filhos voltavam para casa após terem ido à praia. A matriarca também cita que ela e Eliana foram detidas no dia seguinte.
Estivemos todos no quartel da Polícia do Exército, à rua Barão de Mesquita, nesta cidade do Rio de Janeiro".
Quando esteve no DOI-Codi, ela conta que os agentes lhe mostraram um livro com registros dos prisioneiros, que continha fotos dela, de Rubens e de Eliana. "Nesse quartel, durante os interrogatórios a que me submeteram, informaram-me que meu marido também lá se encontrava".
Quando foi solta, no dia 2 de fevereiro, porém, já não tinha mais notícias sobre ele. Comprovando que Rubens foi enviado para lá, ela narra que viu o carro do marido no pátio interno do quartel.
"Nosso automóvel, o que Rubens preso conduzira pessoalmente, acompanhado dos agentes de segurança". Impossibilitada de dirigir, Eunice Paiva autorizou sua cunhada, Renée Paiva Guimarães, a buscá-lo.
Após ser solta, a matriarca também aponta que soube que sua mãe havia levado, ao Ministério de Guerra, algumas roupas destinadas à Rubens. "Elas foram inicialmente recebidas".
Dias depois, entretanto, recusadas, sob a alegação de que Rubens não se encontrava em nenhuma organização militar submetida ao Comando do Primeiro Exército".
Além disso, Eunice cita que o Superior Tribunal Militar, em resposta ao processo de Habeas Corpus emitido por seu advogado, relatou que não havia registros que ela e tampouco Rubens Paiva haviam sido presos em qualquer unidade da área do Primeiro Exército.
Por fim, ela ainda comenta sobre a versão, vinculada em jornais e veículos de televisão, "insinuando que meu marido teria sido objeto de uma operação de resgate efetuada por grupos de terroristas. Versão cuja inverossimilhança é absoluta e que tem todo o feitio de uma farsa impiedosa".
"Não posso e não quero admitir que, em meu país, se faça desaparecer assim, por tanto tempo, uma pessoa humana".


