Cachoeira de sangue? A geleira na Antártida que jorra água em tom carmesim

Aventuras Na História






A descoberta de uma geleira que parece sangrar intrigou cientistas por mais de um século. A "cachoeira carmesim", conhecida como Blood Falls, foi observada pela primeira vez em 1911, durante a Expedição Britânica Terra Nova, quando o geólogo Thomas Griffith Taylor explorava o Vale Taylor, na Antártica Oriental.
Ao chegar à geleira que mais tarde levaria seu nome, Taylor se deparou com um fenômeno surpreendente: de seu interior escorria um fluxo de água vermelha. A cena, impactante e quase sobrenatural, contrastava com a paisagem branca da região e logo recebeu o apelido de "Catarata de Sangue".
Origem do fenômeno
Inicialmente, Taylor acreditou que o tom avermelhado era causado por algas — uma teoria plausível à época, mas imprecisa.
De acordo com o portal All That's Interesting, somente com o avanço da ciência, décadas depois, a real origem da coloração foi identificada: a água que escorre da geleira é rica em ferro, e ao entrar em contato com o oxigênio do ar, sofre oxidação, adquirindo a aparência de sangue fresco.
Além disso, essa água é hipersalina — ou seja, extremamente salgada — o que lhe permite permanecer líquida mesmo em temperaturas muito abaixo de zero.

A expedição
A Expedição Terra Nova, da qual Taylor fez parte, tinha como missão principal alcançar o Polo Sul geográfico. A missão foi liderada por Robert Falcon Scott, que chegou ao destino em 17 de janeiro de 1912 apenas para descobrir que havia sido vencido pelos noruegueses de Roald Amundsen — e isso 34 dias antes.
Infelizmente, Scott e seus companheiros de equipe morreram no caminho de volta (os últimos escritos do diário do explorador datam de 29 de março daquele ano). Apesar da tragédia, outros grupos da expedição, incluindo o de Taylor, realizaram descobertas científicas valiosas.
Durante missão de pesquisa realizada ao longo do litoral oeste do Estreito de McMurdo, Thomas identificou a geleira que, mais tarde, ficaria conhecida como "Geleira Taylor". Foi ele — junto aos seus colegas — o responsável por documentar o fenômeno que permaneceria sendo um mistério por muitos anos. A resposta final veio com o auxílio de novas tecnologias, como pulsos eletromagnéticos e análises químicas avançadas, que trouxeram nova luz sobre o caso.
Rede subterrânea
Em um estudo publicado em 2017 no Journal of Glaciology, cientistas revelaram que Blood Falls é alimentada por uma rede subterrânea de águas salgadas aprisionadas sob a geleira há milhões de anos. Essa salmoura é isolada da superfície e da luz solar, e, por isso, apresenta uma composição única, com alta concentração de ferro e ausência de oxigênio.
Quando essa água finalmente emerge, oxida rapidamente e ganha o tom vermelho característico. "A cor vermelha resulta da precipitação de óxidos de ferro quando a salmoura subóxica contendo ferro entra em contato com o oxigênio da atmosfera", explicou o estudo. Mas a cor não era o único enigma: como a água conseguia fluir em estado líquido em meio ao frio extremo da Antártica?

A resposta, conforme o All That's Interesting, também veio da própria composição da salmoura. Por ser muito salgada, ela tem um ponto de congelamento muito mais baixo do que a água doce.
Além disso, à medida que congela, ela libera calor latente, o que ajuda a derreter parte do gelo ao redor e permite que continue fluindo, mesmo em temperaturas abaixo de -17 °C. Assim, a geleira Taylor se tornou a geleira mais fria do mundo com fluxo constante de água.
Mais uma surpresa
Mas Blood Falls guarda ainda outra surpresa: vida microscópica. Em 2015, um estudo publicado na Nature Communications revelou que a salmoura abriga microrganismos extremófilos que vivem sem luz solar e com níveis quase inexistentes de oxigênio.
Esses organismos sobreviveram em completo isolamento por milhares de anos, alimentando-se de sulfato e ferro — um ecossistema completamente diferente de qualquer outro encontrado na Terra.
Essas descobertas, destaca a fonte, não apenas ampliaram nosso entendimento sobre os limites da vida no planeta, como também levantaram hipóteses sobre a possibilidade de vida em outros corpos celestes, como Marte ou as luas geladas de Júpiter e Saturno.
Como apontou a pesquisadora Jill Mikucki, uma das autoras do estudo, o subsolo gelado é um ambiente altamente promissor na busca por vida extraterrestre, justamente por ser protegido de condições extremas de superfície.


