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Como a Revolução Industrial afetou a forma como dormimos?
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Como a Revolução Industrial afetou a forma como dormimos?

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Aventuras Na História
21/06/2025 13h00
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©Getty Images
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Na noite de 13 de abril de 1699, por volta das 23h, em uma pequena aldeia no norte da Inglaterra, Jane Rowth, de nove anos de idade, acordou de um breve sono. Observava as sombras da noite enquanto sua mãe se levantava, caminhava até a lareira e começava a fumar seu cachimbo. Pouco depois, dois homens surgiram à janela, chamando a Sra. Rowth para acompanhá-los.

Segundo Jane relataria mais tarde a um tribunal, a mãe parecia esperar por eles. Sem demonstrar resistência, ela saiu, mas antes se inclinou e sussurrou para a filha: "Fique deitada e estarei de volta pela manhã." Talvez tivesse alguma tarefa a cumprir ou pressentisse o perigo que a aguardava. O fato é que nunca voltou.

Naquela mesma noite, a Sra. Rowth foi brutalmente assassinada. Seu corpo só seria encontrado dias depois. O crime jamais teve seus responsáveis identificados.

Quase 300 anos depois, o historiador Roger Ekirch, pesquisando sobre hábitos noturnos no Arquivo Nacional de Londres, encontrou o testemunho de Jane. Durante a leitura, um detalhe chamou sua atenção: a expressão "primeiro sono". A referência ao fato de mãe e filha terem acordado desse primeiro descanso parecia indicar uma divisão natural da noite em dois períodos de sono.

Intrigado, Ekirch ampliou sua investigação e encontrou inúmeras outras menções ao chamado "sono bifásico" em registros dos séculos passados: cartas, diários, peças de teatro, livros médicos e até músicas.

O hábito, comum na Inglaterra, também existia em países como França, Itália, Omã, Índia e até no Brasil, onde um relato de 1555 descreve os tupinambás acordando entre dois períodos de sono para se alimentar.

Imagem ilustrativa / Crédito: Getty Images

Segundo o portal BBC, Ekirch constatou que esse padrão de sono em duas fases era tão disseminado que possivelmente representava a forma predominante de descanso da humanidade por milênios.

As referências vão de obras como "Os Contos da Cantuária" (século 14) e "Beware the Cat" (1561) até relatos do século 20, quando o hábito começou a desaparecer, dando lugar ao sono contínuo que conhecemos hoje.

Dois turnos

No século 17, o sono era dividido em dois períodos. Por volta das 21h, quem tinha condições deitava-se em colchões de palha ou penas, enquanto os mais pobres dormiam no chão ou sobre plantas espalhadas. Era comum compartilhar o espaço com familiares, servos, amigos e até estranhos, além de insetos como percevejos e pulgas.

A posição na cama seguia regras sociais rígidas, com ordem por idade e gênero. As meninas mais novas costumavam se deitar de um lado da cama, enquanto as mais velhas ficavam mais próximas da parede, seguidas pela mãe, pelo pai e, depois, pelos filhos meninos, organizados também por idade. Em seguida, vinha quem não fazia parte da família.

Após cerca de duas horas, por volta das 23h, as pessoas acordavam naturalmente, sem alarmes. Esse intervalo, chamado de "vigília", durava até por volta da 1h. Durante esse tempo, realizavam tarefas como reacender o fogo, tomar remédios ou rezar.

Camponeses aproveitavam para cuidar de animais ou remendar roupas. Criminosos também se movimentavam, e o momento era visto por religiosos como ideal para orações e reflexões.

A vigília, destaca a BBC, era ainda um espaço de conversa, intimidade e sexo. Após duas horas acordadas, as pessoas voltavam a dormir até o amanhecer.

Ilustração de 1450 de um dormitório / Crédito: Getty Images

Experimento de Wehr

David Samson, especialista em sono e evolução da Universidade de Toronto, questiona se o sono bifásico pode ter sido o modo natural de dormir dos nossos ancestrais. O historiador Roger Ekirch também suspeitava disso, mas só encontrou uma pista concreta em 1995, ao ler sobre um experimento de Thomas Wehr, do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA.

Wehr expôs 15 homens a apenas 10 horas de luz por dia, mantendo-os no escuro pelo restante do tempo. Após algumas semanas, eles passaram a dormir em dois blocos, separados por um intervalo de uma a três horas, com mudanças até nos níveis de melatonina.

Esse estudo reforçou a teoria de Ekirch sobre o sono segmentado. Anos depois, Samson fez uma nova investigação com moradores da vila de Manadena, em Madagascar, onde não há luz elétrica. Durante 10 dias, os voluntários usaram sensores para monitorar o sono.

Os dados mostraram um aumento da atividade entre meia-noite e 1h30, seguido por um segundo período de sono até o amanhecer. Isso indicava que o sono bifásico nunca desapareceu completamente em algumas partes do mundo.

A provável causa

Ekirch também encontrou a provável causa do abandono desse padrão na maior parte da humanidade: a Revolução Industrial. Com o advento da iluminação pública a gás e, depois, elétrica, as pessoas passaram a dormir mais tarde, mas continuaram a acordar no mesmo horário, encurtando o sono total. A luz artificial afetou o ritmo circadiano, prolongando o primeiro sono e reduzindo o segundo.

Samson ainda testou o impacto da luz elétrica nos moradores de Manadena, mas, em apenas uma semana, não observou mudanças significativas. Mesmo assim, ele reconhece que o período pode ter sido curto demais para gerar efeitos perceptíveis.

Hoje, o padrão de sono único é dominante, mas Ekirch ressalta que isso não significa uma qualidade pior. Afinal, mesmo com os distúrbios modernos, vivemos uma verdadeira era de ouro do sono: a maioria de nós pode descansar sem medo de ser assassinado durante a noite, morrer de frio, lidar com piolhos, enfrentar o risco de incêndios ou dividir a cama com desconhecidos.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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