Como foi construída a 'cidade perdida' de Petra, na Jordânia?

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Escondida entre desfiladeiros estreitos e formações rochosas do deserto da Jordânia, Petra impressiona logo à entrada: após atravessar o Siq, um desfiladeiro sinuoso, o visitante se depara com a fachada monumental do Tesouro (Al Khazna), talhada diretamente na rocha avermelhada.
Mas o que poucos sabem é como esse centro urbano, erguido em um dos ambientes mais inóspitos do planeta, foi construído e sustentado por séculos. Petra foi capital do povo nabateu durante séculos, até que os romanos anexaram o reino por volta do ano 106 d.C. O local era um ponto estratégico no comércio entre o sul da Arábia, a África, a Índia e o mundo greco-romano.
As caravanas nabateias transportavam especiarias, incenso, seda e outros produtos valiosos, cobrando pesados impostos — há registros de taxas de até 25% sobre mercadorias importadas. Esse acúmulo de riqueza financiou a construção da cidade, transformando um ambiente desértico e hostil em um centro urbano vibrante que possivelmente chegou a abrigar entre 20 mil e 30 mil habitantes.

Esculpida na pedra
Boa parte da arquitetura de Petra foi literalmente talhada na rocha. Em vez de erguer edifícios com blocos sobrepostos, os nabateus preferiram esculpir diretamente as fachadas de túmulos, templos e estruturas cerimoniais nas paredes das montanhas.
Entre essas estruturas está o Tesouro (Al Khazna), cuja função exata ainda é debatida — podendo ter sido túmulo real, templo ou tesouraria, dada a ausência de grandes câmaras mortuárias em seu interior. O resultado é uma cidade esculpida, onde a técnica exigia planejamento preciso, domínio técnico e uma cultura profundamente voltada para o simbolismo e o pós-vida.
Zeyad Al-Salameen, arqueólogo da Universidade Mohamed Bin Zayed de Humanidades, em Abu Dhabi, destacou ao National Geographic que a maioria das estruturas preservadas são túmulos — desde câmaras simples até fachadas imensas como a do Tesouro, onde em 2024 arqueólogos encontraram uma tumba contendo doze esqueletos.
Para os nabateus, a vida era encarada como uma jornada breve. Inscrições funerárias em aramaico, a língua corrente da época, detalham quem podia ser sepultado em cada túmulo, além de punições e maldições contra violadores. Algumas inscrições funcionavam como registros de passagem de viajantes, com súplicas a divindades.
Essas evidências ajudam a reconstruir a religião nabateia, de caráter politeísta. Seus principais deuses eram Dushara, figura masculina que mais tarde foi associada a Zeus; e Allat, deusa ligada à fertilidade, que passou a ser representada como Afrodite.
No início, essas divindades eram retratadas de forma abstrata em blocos de pedra chamados betilos, mas com o tempo começaram a surgir representações humanas, sobretudo sob influência greco-romana.

Além de sua habilidade para esculpir a pedra, os nabateus absorveram estilos arquitetônicos helenísticos, introduzindo frontões, colunas coríntias e motivos florais nas fachadas. Também desenvolveram cerâmica fina conhecida como "Nabataean Fine Ware" — vasos muito delgados, em tom avermelhado, que chegaram a ser exportados até Roma.
A construção e o florescimento de Petra só foram possíveis graças a um sistema hidráulico extremamente sofisticado. Os nabateus dominaram a captação de água em um ambiente árido, canalizando fontes externas, esculpindo condutos nas rochas e construindo reservatórios, cisternas e represas.
Usaram até túneis subterrâneos para proteger a água do calor, e represas para conter enchentes sazonais que poderiam destruir as passagens pelo Siq. Cada gota era captada e armazenada, permitindo a sobrevivência e o crescimento da cidade. No entorno, como em Beidha, ao norte, cultivavam árvores e alimentos em terraços agrícolas feitos para evitar a erosão.
Há evidências de cultivo de vinhedos, oliveiras e cereais como trigo e cevada. Papiros com registros de compra e venda mostram práticas agrícolas, enquanto escavações revelaram que a dieta incluía frutas, grãos, carnes e até peixes trazidos do Mar Morto. Os arqueólogos também encontraram vestígios de banquetes funerários, com ossos de animais, sugerindo uma cultura onde a comida tinha papel cerimonial.
Já a organização política dos nabateus envolvia inicialmente um sistema sem sucessão hereditária, mas com o tempo evoluiu para uma dinastia real. O rei Aretas IV (9 a.C.–40 d.C.) foi um dos soberanos mais poderosos, responsável por muitas construções monumentais em Petra. Além do rei, existia um conselho, chamado gerusia, que participava das decisões administrativas.
Declínio
Apesar de todo esse engenho, Petra não resistiu às forças da natureza. Um forte terremoto em 363 d.C. destruiu grande parte de sua infraestrutura, incluindo o sistema de água. Outro tremor, em 551 d.C., agravou a decadência. Com o tempo, a população foi abandonando a cidade em direção a áreas próximas às nascentes. “Foi um dos motivos para o abandono gradual da cidade”, disse Al-Salameen.
Quando o aventureiro suíço Johann Burckhardt redescobriu Petra em 1812 — disfarçado de peregrino muçulmano para convencer um guia beduíno a levá-lo até lá — a cidade já havia sido esquecida por grande parte do mundo ocidental, tida como lenda. Desde então, sua fama cresceu. Em 1985, Petra foi reconhecida como Patrimônio Mundial da UNESCO. Em 1989, apareceu no cinema em "Indiana Jones e a Última Cruzada".
Ainda assim, a maior parte da cidade permanece inexplorada. As áreas residenciais, estruturas administrativas e parte das vias continuam soterradas. Uma grande cidadela existia sobre o monte Umm al-Biyara, possivelmente área administrativa ou palaciana. “Eles praticamente não deixaram registros escritos próprios”, afirmou Megan Perry, antropóloga da East Carolina University, nos EUA, ao National Geographic.
As informações que se têm vêm principalmente de fontes externas, documentos comerciais em papiro e do que resta das construções. Como viviam as famílias, como se organizavam, como se relacionavam com seus deuses — tudo isso ainda é objeto de investigação.
Pesquisas genéticas recentes, realizadas em esqueletos encontrados em Petra, revelam origens mistas entre árabes, levantinos e até populações do Cáucaso, o que faz sentido para um povo que viveu no cruzamento de rotas comerciais. “Há centenas de perguntas ainda sem resposta”, concluiu Al-Salameen.


