Congelada, semiconsciente e à beira da morte: O resgate de Bonita Norris no Everest

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Quase todos os anos turistas perdem suas vidas ao tentarem escalar o Monte Everest — o pico mais alto do mundo —, conforme mostram os registros, que começaram a ser medidos há mais de um século.
Embora não exista um número oficial, o banco de dados do Himalaia aponta que foram mais de 330 baixas entre aqueles que tentaram escalar o pico de 8.849 m (29.032 pés), que é cerca de 20 vezes a altura do Empire State Building.
Estima-se que ainda existam mais de 200 corpos congelados na encosta da montanha, como o cadáver das botas verdes, apesar dos esforços do governo do Nepal para tirá-los de lá. E também não faltam relatos de quem sobreviveu à subida, mas esteve à beira da morte.
Um desses casos ocorreu com Bonita Norris, em 2010, quando ela se tornou a mulher britânica mais jovem a escalar o Everest, aos 22 anos e sete meses — título que se manteve por dois anos antes de Leanna Shuttleworth, de 19 anos, alcançá-lo.

Mas Bonita quase não sobreviveu, sendo resgatada congelada, semiconsciente e à beira da morte. Além disso, ela confidenciou a 'regra não escrita' de deixar cadáveres na montanha. Entenda!
Escalada quase mortal
Muito mais que uma viagem para ficar na memória. Um ato de coragem física e ousadia. Destas histórias que ganham as manchetes dos jornais. E também não foi para menos, afinal, o resgate de Bonita Norris, embora bem-sucedido, foi dramático e quase terminou em tragédia.
Em um primeiro momento, as informações eram que a jovem britânica tinha sofrido apenas uma leve lesão nas costas durante a descida. No entanto, o portal The Observer apurou que Bonita poderia ter morrido se não fosse o esforço dos sherpas e sua equipe de apoio. Eles a carregaram por parte do caminho montanha abaixo depois que ela perdeu temporariamente o movimento das pernas na "zona da morte".
No infame trecho, a cerca de 7.500 metros acima do nível do mar, são poucos aqueles que tiveram um ferimento incapacitante e sobreviveram para contar história. "Foi um dia enorme, algo que eu não gostaria de repetir", disse Kenton Cool, o montanhista profissional que ajudou Norris a realizar seu sonho
"Faço tudo o que posso para garantir que as pessoas voltem em segurança, mas não existe escalada sem riscos. Perdi uma quantidade inacreditável de peso, minha voz quase desapareceu, a sensibilidade nas pontas dos meus dedos sugere que estou com os primeiros estágios de congelamento. Isso está afetando meu corpo e Bonita vai levar um tempo para se recuperar", disse ao The Guardian na época.
O drama de Bonita Norris começou no dia anterior ao resgate, logo após ela chegou ao topo, mas escorregou ao descer a montanha, sofrendo uma lesão cervical. Bonita ficara incapaz de se mover e suas pernas congelaram em uma velocidade impressionante. Em questão de minutos, ela já não conseguia mais sentir seus dedos dos pés.
Horas depois, seu sherpa, Lhakpa, informou sua equipe de apoio por rádio que sua condição havia se tornado um grande motivo de preocupação e que ele temia que ela não conseguisse descer da montanha sozinha.

Diante do cenário, sherpas de resgate foram enviados montanha acima levando oxigênio, equipamento médico, comida e bebida quente. Kenton decidiu seguí-los montanha acima, sendo escoltado pelo médico maltês Greg Attard. Eles haviam descido do cume poucas horas antes. Bonita foi encontrada por volta da meia-noite.
Sinto muito por causar problemas", disse Norris. "Eu escorreguei na descida, foi muita burrice da minha parte."
O resgate desesperador
Segundo o montanhista Kenton Cool, ainda ao The Guardian, o cenário não era nada animador quando se encontraram com Bonita. "Foi uma situação chocante. Ela estava lúcida, mas semiconsciente. Ela me reconheceu imediatamente; isso foi incrível, considerando o tempo que ela estava naquela altitude. Mas minha reação inicial quando vi os sherpas batendo nas pernas dela e lhe dando água quente foi: 'Meu Deus, ela está com queimaduras graves de frio'."
Ele explica que temia que Norris teria tido algum tipo de problema respiratório causado por estar em altitude por muito tempo. "Nós a colocamos sentada, tiramos a blusa dela, cortamos um pouco da roupa térmica".
Cool descreve que o médico, então, injetou 5 mg do esteroide dexametasona no braço de Bonita. "Estou tão feliz que o Greg estava lá", disse Cool. "Já injetei na prática, mas nunca injetei alguém de verdade no escuro a -20°C, a 8.250 m acima do nível do mar, na neve. Funcionou muito bem e a fez se recuperar."
Depois, Lhakpa e outro sherpa, Dorje, desceram Bonita por uma corda presa à montanha, a partir de um trecho a 8.500 m conhecido como "a varanda". Mas o caminho não foi nada fácil, visto que eles ainda perderam o contato via rádio com uma equipe de apoio por cerca de cinco horas enquanto passavam pelo trecho do Everest perto da fronteira entre o Tibete e a China.
"Eles a amarraram, amarraram suas pernas e a desceram com o cinto de escalada, porque ela não conseguia andar", disse Cool. "Esta é uma das coisas mais angustiantes que já vivi, mas a única coisa boa foi que os procedimentos de emergência funcionaram muito bem. Os sherpas e a equipe de apoio foram fantásticos. Era uma situação bastante precária. Um simples deslize e todos poderiam ter caído. Os sherpas estavam fazendo de tudo para trazê-la de volta."
O alívio só veio quando o montanhista conseguiu avaliar Norris numa barraca mais abaixo na montanha. Após o efeito da injeção, Bonita ainda conseguiu se mover, embora lentamente e com o apoio de Cool e dos sherpas.
O resgate acabou ao fim de 48 horas épicas na montanha mais alta do mundo, grande parte delas passadas fora de uma barraca e na zona da morte.
A regra de deixar os cadáveres para trás
Em fevereiro deste ano, Bonita Norris foi entrevistada pelo portal UNILAD, relembrando de sua experiência há 15 anos. A britânica aponta que nunca demonstrou interesse em escalar até menos de dois anos antes de voar para o Nepal.
"Eu tinha 20 anos e, uma noite, fui a uma palestra sobre escalada e ouvi dois montanhistas basicamente descrevendo como chegaram ao topo do Everest… Quando chegaram ao topo, olharam para baixo e puderam ver a curvatura da Terra abaixo deles, e eu estava rendido, como se soubesse naquele momento que iria escalar aquela montanha.
Virei minha vida de cabeça para baixo. Comecei a escalar e, dois anos depois, estava no cume do Everest."
Antes de encarar o topo mais alto do mundo, ela se aventurou no norte de Gales, onde subiu no Monte Snowdon — que tem apenas 1.085 metros. Depois do Everest, Bonita ainda escalou diversas montanhas e falou sobre a regra não escrita, ou código tácito, como ela o chamou, que os montanhistas têm entre si.
Durante o montanhismo, você ocasionalmente, tragicamente, encontra pessoas que perderam suas vidas na montanha, e é algo que eu já vi de perto em diversas ocasiões, em diversas montanhas diferentes".
"Porque, simplesmente, quando você faz o que eu faço, que é ir até a zona da morte, é incrivelmente difícil resgatar alguém que está lá em cima, porque você só está colocando a vida de mais pessoas em risco."
E como montanhistas, temos uma espécie de código tácito de que não queremos arriscar a vida de ninguém. Então eu já vi isso", acrescentou Norris.
"Quando você acorda todas as manhãs na montanha, tudo é tão intenso — cada dia é, é vida e morte. Quando você vê o lado triste do montanhismo, isso realmente te torna consciente do que está fazendo. Isso te dá aquela presença de espírito."
"Isso faz você, tipo, recalibrar suas expectativas sobre o que você quer alcançar. O mais importante não é o topo, é voltar para casa em segurança, para a minha família. Então, de certa forma, é um ótimo lembrete do que é importante quando estamos lá. Ao mesmo tempo, não é algo que eu realmente gosto de lembrar, porque é triste", finalizou.


