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Das primeiras civilizações à indústria bilionária: A longa história da cerveja
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Das primeiras civilizações à indústria bilionária: A longa história da cerveja

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Aventuras Na História
29/06/2025 18h00
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©Getty Images
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Poucas bebidas têm uma trajetória tão longa e intrincada quanto a cerveja. Hoje presença constante em bares, festivais e supermercados, ela já foi alternativa à água contaminada, fonte de calorias, ritual sagrado e até símbolo de civilização. Mas como, afinal, essa bebida se tornou uma das mais consumidas do planeta?

A resposta passa por milhares de anos de experimentação, sobrevivência e cultura. A origem da cerveja remonta a um período em que os seres humanos ainda estavam aprendendo a cultivar e armazenar alimentos.

Embora a fermentação possa ter ocorrido acidentalmente há cerca de 12 mil anos, as evidências materiais mais antigas de bebidas fermentadas surgem no período Neolítico, entre 9.000 e 7.000 a.C., quando povos migravam do nomadismo para a agricultura. Nessas comunidades, percebeu-se que alimentos estocados, como grãos e frutas, azedavam e ganhavam propriedades inebriantes.

Em Jiahu, na China, arqueólogos encontraram vestígios de uma bebida fermentada feita com arroz, mel, frutas e água, datada de cerca de 7000 a.C. Era mais próxima de um vinho de arroz ou de um hidromel do que da cerveja moderna.

Já o uso da cevada fermentada, base do que hoje chamamos de cerveja, aparece mais tarde — e em outro canto do mundo. Na região onde hoje fica o Irã, vasos de cerâmica com resíduos de cevada foram encontrados e datados de 3.400 a.C.

Tudo indica que os sumérios, na antiga Mesopotâmia, foram os primeiros a fabricar uma bebida que se aproxima da cerveja atual. Eles não apenas produziam como registravam o consumo em mitos e textos sagrados. No “Épico de Gilgamesh”, Enkidu, o “homem selvagem”, torna-se humano ao beber sete jarras de cerveja, cantar de alegria e fazer sexo com uma prostituta do templo por uma semana.

Os sumérios dedicaram até mesmo um hino à deusa Ninkasi, protetora da cerveja, que funciona como uma das primeiras “receitas” conhecidas, descrevendo o processo de produção a partir de pão fermentado. Outros registros mostram que mulheres eram, majoritariamente, as responsáveis pela produção da bebida.

cerveja
Datada de cerca de 3.100 a 3.000 a.C , tábua de argila de Kushim foi encontrada na antiga cidade suméria de Uruk, na Mesopotâmia e registra a produção e distribuição de cerveja em um templo dedicado à deusa Inanna / Crédito: Divulgação/Bloomsbury Auctions

E a prática não se limitava à Mesopotâmia. Em sítios arqueológicos na Turquia, Israel e Egito, há indícios de fermentação de grãos datando de até 13 mil anos atrás. Em Abydos, no Egito, arqueólogos encontraram em 2021 vestígios de uma cervejaria datada de mais de 5.000 anos, possivelmente usada em rituais reais.

Já em 2024, escavações na Itália, revelaram tanques que confirmam a produção de cerveja na Roma Antiga, antes considerada quase exclusivamente uma cultura de vinho. Além do Oriente Médio, outras regiões desenvolveram suas próprias versões de bebidas fermentadas. Na China, usava-se milheto e arroz. Nas Américas pré-colombianas, milho fermentado originava bebidas semelhantes à cerveja, como a chicha.

Sobrevivência

Embora associada hoje ao lazer, a cerveja nem sempre foi sinônimo de diversão. Em tempos antigos, beber água podia ser perigoso. Como destaca o pesquisador Edward Slingerland, a fermentação alcoólica oferecia uma forma de tornar líquidos contaminados mais seguros.

Em seu livro “Bêbados: Como Bebemos, Dançamos e Tropeçamos Em Nosso Caminho Para Civilização”, ele sugere que a cerveja pode ter ajudado a transformar sociedades, justamente por tornar o consumo de líquidos mais confiável. Um estudo publicado em 2022 na EMBO Reports confirma que a cerveja antiga tinha baixo teor alcoólico e que sua função era muito mais prática do que recreativa.

Em contextos de escassez alimentar, especialmente entre camponeses, a bebida oferecia calorias extras e vitaminas, como a riboflavina (B2), ausentes em dietas baseadas apenas em grãos ou mingaus. Daí slogans como o da Guinness: “uma refeição em cada copo”.

Além disso, o álcool tem propriedades antimicrobianas e antiparasitárias. Como diz Slingerland, “não é má ideia beber ao comer sushi — o saquê pode matar microrganismos indesejados no peixe cru”. Até o século 19, médicos europeus chegaram a recomendar a cerveja como tônico ou medicamento.

cerveja
A representação mais antiga de consumo de cerveja mostra pessoas bebendo de um recipiente comunitário com canudos longos / Crédito: Armstrong Undergraduate Journal of History

A bebida se espalhou pelo Oriente Médio há cerca de 5 mil anos. Os egípcios a integraram à dieta dos faraós. Na Grécia, autores clássicos como Sófocles e Políbio mencionavam a cerveja como parte da vida cotidiana. Já na Idade Média europeia, ela se tornou onipresente, tanto entre nobres quanto entre camponeses.

Os monges tiveram papel decisivo nesse período, registrando receitas, aprimorando métodos de fermentação e criando estilos que persistem até hoje, como os famosos Tripel belgas. Mas nem todos viam a bebida com bons olhos.

No século 13, Aldebrandin de Siena escreveu que a cerveja “faz mal à cabeça e ao estômago, causa mau hálito e estraga os dentes, enche o estômago de vapores ruins”. Ainda assim, reconhecia que “facilita a micção e torna a pele branca e lisa”.

Por volta do século 9, surgiu uma mudança decisiva: o uso do lúpulo. A adição do ingrediente começou a aparecer em registros carolíngios, mas só se consolidou na produção cervejeira europeia entre os séculos 13 e 15, ampliando o sabor, a conservação e a potência da bebida. Na Inglaterra, começou-se a distinguir entre “ale” (sem lúpulo) e “beer” (com lúpulo).

Muitos acreditavam que a “ale” era mais saudável, enquanto a “beer” causava inchaço e ganho de peso. Mesmo assim, o preparo da cerveja seguia como atividade doméstica, feita dentro de casa. Só nos séculos 14 e 15 a cerveja se tornou um produto de exportação em larga escala, abrindo caminho para os estilos modernos que conhecemos.

Comércio global

Apesar de o consumo de cerveja ser questionado hoje por seus efeitos na saúde, a indústria segue movimentando cifras gigantescas. Em 2024, segundo a Brewers Association, o setor artesanal dos Estados Unidos produziu 23,1 milhões de barris, gerando US$ 28,8 bilhões (cerca de R$ 158 bilhões), mesmo com uma queda de 3,9% no volume em relação ao ano anterior. 

No total, o mercado mundial de cerveja foi avaliado em cerca de US$ 744 bilhões (R$ 4 trilhões) em 2024. A Ásia lidera o consumo global, com destaque para China e Vietnã, enquanto a Europa mantém mercados tradicionais como Alemanha, Bélgica e Reino Unido.

No Brasil, a cerveja continua sendo a bebida alcoólica mais consumida. O país é o terceiro maior produtor mundial, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Em 2024, a produção brasileira alcançou cerca de 13,5 bilhões de litros, gerando um mercado estimado em R$ 210 bilhões, conforme dados da Euromonitor e da Grand View Research. 

Para muitos estudiosos, como Slingerland, o álcool — com todos os seus impactos — teve um papel essencial na formação das sociedades humanas. A pergunta “quem inventou a cerveja?” talvez nunca seja respondida com precisão. Mas o que é certo é que essa bebida moldou culturas, mitos e hábitos — e continua presente na mesa de bilhões de pessoas ao redor do mundo.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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