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Descoberta de ossos de cavalo contradiz mitos sobre alimentação cristã
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Descoberta de ossos de cavalo contradiz mitos sobre alimentação cristã

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Aventuras Na História
18/07/2025 17h30
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©Divulgação/Erika Gál
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Profundamente enraizado no solo medieval da Hungria, fragmentos de ossos espalhados narram uma história que há muito tempo as palavras conseguiram obscurecer – uma narrativa de tradição, sobrevivência e a persistente resistência do paladar.

Historicamente, muitos acreditavam que a transição da Europa para o Cristianismo havia erradicado o consumo de carne de cavalo, considerando-o um resquício bárbaro dos tempos pagãos. No entanto, novas evidências arqueológicas provenientes das planícies húngaras indicam que a realidade é bem mais complexa e humana.

Um estudo que abrange quase 200 assentamentos medievais na Hungria revela que a população continuou a consumir carne de cavalo durante séculos após a adoção do Cristianismo, desafiando a narrativa predominante que associa a religião à diminuição da hippofagia – o ato de comer carne de cavalo – na Europa medieval.

"A suposição sempre foi que o Cristianismo tornou o consumo de carne de cavalo um tabu", afirma László Bartosiewicz, da Universidade de Estocolmo, um dos autores principais do estudo. "Entretanto, nossos achados demonstram que a carne de cavalo permaneceu no cardápio muito tempo após a conversão. A história raramente é tão simples quanto parece".

Sabor do passado

Antes da disseminação do Cristianismo pela Europa, a carne de cavalo era uma presença familiar nas mesas, desde as estepes da Ásia Central até as florestas da Escandinávia. Os cavalos não eram apenas animais utilizados em guerras e trabalhos; eles eram uma fonte de alimento celebrada em festivais e rituais.

Com o avanço do Cristianismo, líderes religiosos começaram a associar o consumo de carne de cavalo ao paganismo. Embora a Igreja nunca tenha imposto uma proibição oficial sobre esse tipo de carne – ao contrário das restrições islâmicas e judaicas ao porco – textos religiosos caracterizavam a hippofagia como impura, um resquício da "barbárie" passada.

"Com base em fontes documentais, abandonar o consumo de carne de cavalo está amplamente associado à ascensão do Cristianismo na Europa medieval", observam os pesquisadores em seu estudo publicado na revista Antiquity. "No entanto, na ausência de uma proibição explícita, observa-se uma grande diversidade regional na condenação da carne de cavalo pela Europa".

Para questionar suposições arraigadas por séculos, Bartosiewicz e sua coautora Dra. Erika Gál, do Centro HUN-REN para Pesquisas em Humanidades na Hungria, recorreram ao próprio solo. Eles analisaram meticulosamente ossos animais provenientes de 198 sítios arqueológicos localizados em toda a Hungria medieval, abrangendo vilarejos, cidades e assentamentos rurais.

Cada fragmento ósseo representava uma pista: um pedaço de mandíbula, uma seção de membro, uma costela fragmentada. Ao calcular a porcentagem de restos de cavalo em relação aos ossos de outros animais domésticos – gado bovino, ovinos e suínos – os pesquisadores puderam avaliar quão comum era realmente o consumo dessa carne.

Os resultados foram surpreendentes. Ossos de cavalo apareceram em quantidades significativas nos depósitos de resíduos alimentares mais de 200 anos após a conversão oficial da Hungria ao Cristianismo em 1000 d.C. Em alguns sítios rurais, os restos de cavalos representaram até um terço dos ossos animais identificáveis nos rejeitos domésticos.

"Esses números são simplesmente altos demais para serem descartados como o abate ocasional de um animal em desespero", explica Bartosiewicz. "As pessoas ainda consumiam carne de cavalo regularmente. Isso fazia parte da cultura culinária deles".

Mudanças

Se a religião não foi responsável por afastar a carne equina das mesas húngaras, então o que foi? Os pesquisadores descobriram que a resposta reside não na fé, mas nas violências históricas.

Entre 1241 e 1242, a invasão mongol devastou a Hungria como um incêndio florestal, destruindo cidades e queimando vilarejos, resultando na morte estimada de 40% a 50% da população. As consequências desse cataclismo reverberaram por todos os aspectos da vida húngara – incluindo os hábitos alimentares.

"Os cavalos eram um valioso espólio de guerra e os estoques sobreviventes provavelmente estavam em alta demanda para outros fins além da alimentação", observam os autores. Em resumo, os cavalos tornaram-se muito valiosos para serem consumidos.

Desesperado para reconstruir seu reino devastado, o rei húngaro convidou novos colonizadores do oeste europeu. Esses imigrantes trouxeram tradições culinárias diferentes – com preferência por carne suína ao invés da equina. Ao contrário da população pastoralista anterior da Hungria, esses recém-chegados eram mais urbanizados e menos inclinados a sacrificar valiosos cavalos para alimentação.

À medida que as populações equinas diminuíam e as normas culturais mudavam, a hippofagia gradualmente foi desaparecendo – não porque a Igreja considerasse isso pecaminoso, mas porque os cavalos tornaram-se mais escassos e caros.

Verdades históricas

Segundo o 'Archaeology Magazine', a pesquisa realizada por Bartosiewicz e Gál enfatiza uma verdade fundamental sobre a história: as narrativas que herdamos nem sempre refletem com precisão o que o passado teria para contar.

"Tropes que equiparam a hippofagia à 'barbárie' têm abundado desde a antiguidade", afirmam os autores. "Esse processo de 'outro' é mais contundente em fontes posteriores aos eventos que descrevem, às vezes por séculos, podendo retratar generalizações negativas em vez da 'realidade' passada".

Textos escritos, especialmente aqueles elaborados por cronistas religiosos, frequentemente carregam preconceitos e agendas políticas. A evidência arqueológica oferece uma oportunidade rara para vislumbrar o que as pessoas realmente faziam – em vez do que as elites diziam que deveriam fazer.

"A contribuição dos restos equinos aos rejeitos alimentares correlaciona-se com tendências históricas gerais", advertem os autores, "mas deve ser compreendida à luz das interações complexas entre diferentes povos e seus ambientes físicos e políticos".

Persistência

No contexto medieval húngaro, o cavalo era não apenas um símbolo de poder e nobreza, mas também uma fonte prática de nutrição. Mesmo diante dos sermões que condenavam práticas pagãs, as pessoas continuavam assando e cozinhando carne equina, apreciando sabores ligados à memória, tradição e necessidade.

A história frequentemente busca linhas claras: cristãos contra pagãos, civilizados contra bárbaros. No entanto, os ossos sob os campos húngaros nos lembram que vidas humanas raramente se encaixam tão perfeitamente nessas categorias. As pessoas mantiveram antigas práticas durante gerações, impulsionadas não apenas pela fé, mas também pelo hábito e pelas simples alegrias à mesa.

No final das contas, a narrativa sobre a hippofagia na Hungria medieval transcende apenas o que as pessoas consumiam – trata-se da resiliência cultural e da silenciosa resistência à vida cotidiana refletida nos depósitos arqueológicos dos séculos passados.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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