Entrada para o inferno: O intrigante poço superprofundo de Kola, na Rússia

A paisagem desértica da Península de Kola, no noroeste da Rússia, esconde uma das maiores façanhas da engenharia humana. No solo, uma tampa de metal enferrujada marca a entrada do poço superprofundo de kola, uma das explorações mais ambiciosas já realizadas no interior da Terra.

Criado durante a Guerra Fria, o projeto foi parte da corrida tecnológica entre Estados Unidos e União Soviética, em uma época em que as duas potências buscavam ultrapassar uma à outra em todos os campos possíveis, inclusive no acesso às profundezas do planeta.

Americanos e soviéticos

Os americanos deram o primeiro passo com o Projeto Mohole, uma tentativa de perfurar o fundo do Oceano Pacífico na década de 1960 para alcançar a fronteira entre a crosta terrestre e o manto. Porém, o projeto fracassou por conta de má gestão, cortes de verba e falta de apoio científico.

Do outro lado do mundo, a União Soviética teve mais sucesso. Em 24 de maio de 1970, os soviéticos iniciaram a perfuração do poço na região de Kola. A missão continuou até 1992, sendo interrompida pouco após o colapso da URSS.

Mas não foram apenas os problemas políticos que colocaram fim ao projeto. As condições no fundo do poço também tornaram-se extremas: a mais de 12.000 metros de profundidade, as temperaturas chegavam a 180 °C, muito acima do que os modelos geológicos previam, tornando a continuação inviável com a tecnologia disponível na época.

Segundo informações do portal IFL Science, a perfuração atingiu um total de 12.263 metros, o que tornou o Kola Superdeep Borehole o poço mais profundo já perfurado na crosta terrestre.

Para comparação, essa profundidade supera a do ponto mais profundo dos oceanos, a Fossa das Marianas, e equivale à altura combinada do Monte Everest e do Monte Fuji. O mais surpreendente é que, apesar de toda essa profundidade, o diâmetro do buraco era de apenas cerca de 23 centímetros.

Descobertas

Durante o auge do projeto, vale destacar, os cientistas fizeram descobertas notáveis, afinal o poço atravessou aproximadamente 1,4 bilhão de anos da história geológica da Terra.

Entre as revelações mais inesperadas estava a presença de água em camadas de rocha que se acreditava serem completamente impermeáveis. Também foram encontrados fósseis microscópicos de organismos antigos e sinais de minerais valiosos, como ouro, cobre e níquel.

Entrada para o inferno

Com o passar dos anos, o local foi abandonado. Hoje, o que resta é uma instalação em ruínas, cercada por histórias bizarras. Uma das mais populares — e absurdas — é a lenda urbana que diz que os cientistas teriam perfurado até o inferno.

Segundo o boato, um microfone foi abaixado no poço e captou sons de gritos e lamentos. Apesar de não haver qualquer evidência que sustente essa história, ela ajudou a construir a aura quase mística da "entrada para o inferno".

O poço e a URSS

Muito além dos mitos, o poço de Kola foi um verdadeiro símbolo da ambição científica da era soviética. Era uma tentativa de mostrar ao mundo que a URSS podia liderar também nos campos da ciência e da exploração geológica, não apenas na corrida espacial.

A Guerra Fria teve seu fim. Entretanto, a exploração do subsolo terrestre continua sendo um campo estratégico. A China, por exemplo, lançou, em novembro de 2024, o Meng Xiang, um navio de pesquisa científica com capacidade para perfurar até 11 quilômetros abaixo do fundo do mar. De acordo com a fonte, isso poderia abrir caminho para novos marcos na geociência.