Jack, o Estripador: Turismo 'macabro' incomoda moradores londrinos; entenda!

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Toda noite, nas ruas do East End londrino, grupos de turistas refazem o trajeto de um dos assassinos mais notórios da história: Jack, o Estripador. Os chamados “Ripper Tours” são parte do roteiro turístico de Londres — ao lado do chá da tarde, do Palácio de Buckingham e da Tower Bridge.
Mas a popularidade desses passeios alimenta uma discussão delicada: até que ponto o fascínio por crimes reais pode ultrapassar os limites do respeito à memória das vítimas?
Conforme repercute a CNN, guias turísticos relatam até brigas físicas entre profissionais por espaço em pontos de interesse, como a Mitre Square — onde uma das vítimas, Catherine Eddowes, foi encontrada mutilada. “Já vi dois guias saírem no tapa”, conta Charlotte Everitt, da Rebel Tours.
A crescente demanda por esse tipo de tour transformou Jack, o Estripador, em um verdadeiro produto cultural. Há bares, restaurantes e até salões de beleza com nomes inspirados no assassino.
O museu inaugurado em sua homenagem, em 2015, gerou protestos por ter sido apresentado como espaço voltado às histórias das mulheres do East End, mas acabou centrando-se no criminoso. Hoje, vende ursos de pelúcia vestidos como Jack e camisetas com sua silhueta.
Críticas
Para muitos moradores e ativistas, esse tipo de turismo banaliza a violência contra mulheres pobres e marginalizadas. “Não é o fato de falar sobre os assassinatos — é a forma como se fala”, afirma Charlotte à rede americana.
Por isso, a Rebel Tours criou um passeio alternativo: “Jack the Ripper: What About the Women?”, que busca dar voz às vítimas, destacando suas histórias para além do estigma da prostituição.
“Tem guia que mostra fotos do corpo de Mary Jane Kelly. Se você não mostraria a imagem de uma vítima atual, por que seria aceitável mostrar a dela?”, questiona Everitt. Os registros históricos, aliás, não confirmam se todas as mulheres assassinadas eram prostitutas, como os roteiros frequentemente sugerem.
Jessica O’Neil, ex-guia e fundadora do The Museum Guide, abandonou os passeios após uma prostituta interromper seu tour para perguntar: “Por que você não se importa comigo e com as minhas amigas?”
Desde então, ela passou a criticar o uso de imagens gráficas e o tom sensacionalista. “Dizem que é educativo. Talvez, se fosse em um curso universitário. Mas isso é puro entretenimento.”
A indústria do medo
O fenômeno não é exclusivo de Londres. Locais como Milwaukee, com tours sobre Jeffrey Dahmer, ou a mansão dos irmãos Menendez em Beverly Hills, também viraram atrações. O mesmo aconteceu com o trágico local do massacre de Jonestown, na Guiana.
Para o pesquisador Philip Stone, do Dark Tourism Institute, o sucesso de figuras como Jack, o Estripador, está relacionado àquilo que ele chama de distância cronológica.
Com o tempo, esses personagens são absorvidos pela cultura popular e tratados quase como ficção. A linha entre o real e o fantasioso se desfaz”, afirma à CNN.
Stone afirma que os passeios podem até ter valor histórico — se forem conduzidos com responsabilidade. “Existe toda uma política da memória: quem escolhemos lembrar, e por quê?”
Diante do turismo de horror, há quem tente ressignificar o espaço. O escritor The Gentle Author, criador do blog Spitalfields Life, lançou seu próprio passeio pelo East End, centrado na história da classe trabalhadora e das comunidades imigrantes.
É um ultraje ver centenas de pessoas marchando por essas ruas toda noite, rindo de mortes reais”, desabafa à CNN.
Seu objetivo: reivindicar as ruas para a comunidade. Mas, mesmo com mais de 5 mil textos publicados, seus tours ainda não conseguem competir com o apelo comercial dos passeios sobre o Estripador.
A discussão se estende à ética da memória: quem lucra, quem é apagado e quem é relembrado. O East End Women’s Museum surgiu em resposta direta ao Jack the Ripper Museum e tenta resgatar o protagonismo das mulheres reais da região, longe da sombra de um assassino transformado em ícone pop.
Enquanto o turismo segue lucrando com o passado sangrento, vozes locais pedem reflexão. “Não se trata de apagar a história, mas de contá-la de forma honesta”, conclui Charlotte. “E de lembrar que aquelas mulheres eram mais do que vítimas — eram pessoas.”


