Sepultamento infantil é descoberto em acampamento militar romano na Península Ibérica
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Arqueólogos realizaram uma descoberta notável ao desenterrar o que pode ser o primeiro sepultamento infantil conhecido dentro de um acampamento militar romano na Ibéria. Essa descoberta oferece insights valiosos sobre a intersecção entre vida, legislação e rituais dentro do contexto militar romano. O estudo, liderado por Marta Fernández-Viejo das Universidades de León e Burgos e publicado na revista Childhood in the Past, foca no castrum da Legio VI Victrix localizado em León, na Espanha.
A sepultura foi encontrada em 2006 durante escavações emergenciais realizadas na sacristia do convento das Siervas de Jesús e na Rua Francisco Regueral. A Legio VI Victrix, estabelecida por Augusto em 41 a.C. e posicionada na Hispânia Tarraconense a partir de 29 a.C., tinha como função proteger passagens estratégicas nas montanhas Asturianas, próximas à confluência dos rios Bernesga e Torío.
No local conhecido como Área 1, os arqueólogos descobriram os restos de um infante enterrado sob uma tegula — uma telha romana —, sob o piso de uma oficina contubernium. O uso de telhas para sepultamentos infantis não era incomum nas práticas funerárias romanas, embora normalmente estivesse restrito a cemitérios ou espaços domésticos.
O registro de sepulturas infantis em contextos militares é extremamente raro; há casos confirmados em fortalezas ao longo da Muralha de Adriano e em assentamentos adjacentes, mas não dentro dos quartéis. Assim, o exemplo de León se destaca pela sua singularidade, especialmente por estar situado próximo a uma entrada em um espaço de trabalho dos soldados.
Vida nos acampamentos
A análise esquelética revelou que o infante nasceu a termo, com aproximadamente 38 a 42 semanas de gestação. No entanto, alguns ossos, incluindo partes da pelve e do crânio, apresentavam-se incompletos.
Segundo informou Fernández-Viejo em comunicado, essa discrepância é indicativa de estresse, doenças ou nutrição inadequada durante a gestação. Não foram observadas lesões externas que indicassem homicídio infantil, mas mortes por sufocamento ou exposição não deixariam marcas esqueléticas. O datar por radiocarbono situou o sepultamento entre 47 a.C. e 61 d.C.
Esse período coincide com as reformas de Augusto que proibiam soldados de se casarem durante o serviço militar, excluindo teoricamente esposas e filhos das bases militares. No entanto, evidências arqueológicas em províncias fronteiriças como Britannia e Germania sugerem que muitos soldados frequentemente ignoravam essas regras. A presença de itens cotidianos relacionados à vida familiar — como calçados e objetos pessoais — sugere que muitas guarnições continham mulheres e crianças.
A posição inusitada do sepultamento pode ser compreendida através das crenças espirituais romanas. Acreditava-se que os infantes que morriam ao nascer ou logo após tinham almas poderosas que poderiam influenciar os vivos. O sepultamento sob um limiar era considerado uma forma de prevenir danos à estrutura e aos indivíduos que ali trabalhavam. Esses “sepultamentos fundacionais”, geralmente envolvendo animais, mas às vezes humanos, eram comuns nos rituais de construção romanos, simbolizando a transição de um espaço profano para um sagrado.
A descoberta em León desafia a percepção de que a vida no exército romano era rigidamente separada dos âmbitos doméstico e religioso. Em vez disso, sugere um cenário mais complexo — onde soldados, famílias e práticas espirituais coexistiam nos mesmos espaços onde as legiões do império viviam e trabalhavam.
