Papa Francisco: Conheça as raízes de fé e devoção que marcam sua trajetória

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Confira a reportagem publicada pela Revista CARAS em fevereiro de 2024 na edição especial sobre o Papa Francisco:
Humildade. Sem dúvida, esse é o maior ensinamento que o papa Francisco tem pregado nos últimos anos, desde que foi eleito o 266º líder da Igreja Católica. E não poderia ser diferente, já que a simplicidade e a vida modesta sempre foram inerentes à trajetória do Santo Padre. Filho dos imigrantes italianos Mario Giuseppe Bergoglio Vasallo (1908-1959), um ferroviário, e Regina Maria Sivori Gogna (1911-1981), dona de casa, Jorge Mario Bergoglio nasceu na capital argentina, Buenos Aires, e cresceu ao lado de quatro irmãos mais novos: Oscar Adrian, Marta Regina (1940-2007), Alberto Horacio (1942-2010) e Maria Elena. A vida de Bergoglio era simples e modesta e, como qualquer criança, gostava de brincar, amava futebol e, vez ou outra, aprontava suas travessuras.
A infância e a adolescência
“Uma vez, na 4ª série, faltei com respeito a uma professora e ela mandou chamar minha mãe. Minha mãe veio e fiquei na sala de aula. A professora saiu e, depois, me chamaram. Minha mãe estava tranquila, mas eu temia o pior. Ela me disse: ‘você fez isso?’. Eu disse que sim e ela me fez pedir perdão à professora diante dela. Fiquei feliz, porque foi fácil! A segunda parte da história foi quando cheguei em casa!”, já disse, aos risos. Foi ainda na infância que Bergoglio descobriu uma de suas grandes paixões, o futebol. Torcedor do San Lorenzo, ele não perdia nenhuma partida e, até hoje, não esconde o entusiasmo com o time do coração. “San Lorenzo era o time que todas as famílias adoravam: meu pai jogava basquete no San Lorenzo. Quando éramos crianças íamos aos jogos, mamãe ia com a gente. Lembro como se fosse hoje da temporada de 1946, San Lorenzo tinha uma equipe brilhante, fomos campeões!”, disse o fiel torcedor, que até hoje paga mensalidade de sócio do clube.
Antes de descobrir a vocação religiosa, como qualquer jovem, Bergoglio teve sua dose de romantismo. Aos 12 anos, viu o coração bater mais acelerado por Amalia Damonte, uma vizinha, mas não passou de um flerte. O jovem chegou a enviar uma carta para a menina, dizendo que, caso não se casasse com ela iria virar padre, antes mesmo de pensar em seguir o caminho da religião. “Eu não respondi a carta. Meu pai me deu uma surra, porque eu me atrevi a ler a carta de um menino e fez todo o possível para nos
separar. Depois disso, eu nunca mais o vi”, recordou Amalia.
Estudioso e trabalhador, antes de entrar para a vida sacerdotal, o futuro papa fez um curso técnico de Química, trabalhou em laboratório, foi porteiro de boate e fez bicos limpando pisos. Ele já disse que a experiência como porteiro o ajudou a deixar os fiéis mais à vontade na igreja, afinal, lidava com diferentes pessoas. A diversão também tinha espaço. Sair com os amigos e dançar era comum. O ritmo? Tango e milonga, é claro! “Um portenho que não dança tango não é portenho! Vem de dentro”, avisou ele.
A fé veio da família
Em paralelo à típica rotina de jovem, Bergoglio tinha dedicação especial à sua fé. Influenciado pela avó paterna, Rosa Margarita Vasallo di Bergoglio, com quem aprendeu a rezar o terço, desde criança o futuro pontífice demonstrava interesse e profundo respeito pela Igreja. “A avó é a reserva moral, religiosa e cultural. É ela quem transmite toda a história. A mãe e o pai estão por ali, sempre trabalhando, ocupados com isso e aquilo, com mil coisas para fazer”, afirmou ele, antes de se tornar papa. O chamado vocacional veio de forma rápida e inesperada. “Saí com amigos e passei pela Igreja de São José de Flores, eu já frequentava essa igreja. Senti que tinha que entrar, senti como se alguém me agarrasse por dentro. Ali senti que tinha que ser padre, não hesitei, não hesitei”, lembrou ele.
O pai, Mario, também foi peça fundamental. Homem de fé e sempre engajado nas causas da Igreja, foi o primeiro a saber da decisão do filho. “Contei ao meu pai e ele reagiu bem. Eu tinha certeza de que meu pai me entenderia. Sua mãe era uma pessoa muito religiosa e ele havia herdado dela esta religiosidade e aquela força, unida à grande dor pelo abandono da própria terra”, relembra. O apoio da avó ecoou de forma positiva e um tanto realista. “Bom, se Deus o chama, bendito seja. Só não se esqueça de que as portas da casa estão sempre abertas e ninguém vai reprová-lo se decidir voltar”, ponderou a matriarca.
Início da vida religiosa como missão de vida
O início da vida religiosa foi aos 21 anos, quando ingressou no noviciado da Companhia de Jesus — a ordem religiosa dos jesuítas. Na época, um contratempo poderia ter mudado os rumos da trajetória de Bergoglio, mas sua fé superou a adversidade. Acometido por uma grave pneumonia, ele passou por uma cirurgia para retirada da parte do pulmão direito. “Eu nunca senti limitação com as minhas atividades. Como os médicos me explicaram, o pulmão direito se expandiu e cobriu todo o hemitórax ipsilateral”, contou ele, que seguiu em frente: foi ao Chile estudar Humanidades e, em 1963, regressou à sua Buenos Aires, onde acabou licenciando-se em Filosofia e passou a dar aulas de Literatura e Psicologia.
Em 1969, graduou-se em Teologia e recebeu a ordenação sacerdotal das mãos do arcebispo dom Ramón José Castellano (1903-1979). Já em 1973, emitiu seus últimos votos na Companhia de Jesus e liderou a comunidade jesuíta na Argentina por seis anos, em meio às tensões do regime militar no qual o país estava mergulhado. A ditadura, aliás, é o único período controverso da jornada do então padre. Grupos de defesa dos Direitos Humanos apontam que o religioso foi omisso diante das perseguições do regime. Acusações formais, porém, nunca foram feitas. “O golpe foi aprovado por quase todos. É necessário ser realista, ninguém deve lavar as mãos”, falou ele, em espécie de mea culpa.
Em paralelo às funções religiosas, dava aulas de Teologia e sempre teve forte espírito acadêmico. “A universidade é o lugar onde a mente se abre para os horizontes do conhecimento”, argumentou ele. Entre 1980 e 1986, o futuro papa foi pároco em San Miguel, província de Buenos Aires. Após uma temporada na Alemanha, onde concluiu seu doutorado, Bergoglio voltou à Argentina e, em 1992, o papa João Paulo II (1920-2005) o nomeou bispo auxiliar. Em 1998, tornou-se arcebispo de Buenos Aires. Na época, seguindo os preceitos de humildade, morava em um pequeno e modesto apartamento e fazia questão de preparar o próprio jantar, “O meu povo é pobre e eu sou um deles”, dizia ele, que mantinha relação de extrema devoção com toda a comunidade. Os sacerdotes tinham seu número de celular e, quando precisavam de apoio, era só ligar.
Em 2001, Bergoglio foi nomeado cardeal pelo papa João Paulo II e, em mais um gesto de humildade, pediu que argentinos não fossem ao Vaticano prestar-lhe homenagens, mas doassem aos necessitados o dinheiro que seria gasto na viagem. Como cardeal, manteve a vida simples e andava de ônibus e metrô. “Quase sempre pego o metrô pela rapidez, mas prefiro o ônibus, pois consigo ver a rua”, contou ele, que não se intimidava em defender os fracos e oprimidos, questionando autoridades e, até mesmo, sacerdotes. Em certa ocasião, ‘puxou’ a orelha de um padre que não queria batizar um bebê filho de
pais não casados. “A criança não tem nenhuma responsabilidade pelo estado civil dos pais”, argumentou.


