Polvos 'provam' o mundo com os braços e identificam presas por seus micróbios

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Quando um polvo mergulha seus oito braços em frestas marinhas aparentemente ao acaso, ele não está apenas apalpando em busca de comida. Segundo um novo estudo publicado na revista Cell, os polvos usam seus braços para identificar presas e elementos do ambiente ao detectar sinais químicos liberados por micróbios. O achado revela uma forma de percepção até então desconhecida no reino animal — e sugere que os polvos literalmente "provam" o mundo ao seu redor.
A descoberta foi liderada pela bióloga molecular Rebecka Sepela, da Universidade Harvard, e mostra que os braços dos polvos são equipados com receptores sensoriais que reconhecem substâncias químicas específicas produzidas por microbiomas, as comunidades de microrganismos presentes em superfícies marinhas.
Em vez de identificar diretamente o objeto tocado, o polvo percebe o estado microbiano daquela superfície, o que pode indicar se um caranguejo está fresco ou em decomposição, por exemplo, ou se um ovo está saudável ou moribundo.
Para entender esse processo, os cientistas cultivaram bactérias coletadas da superfície de caranguejos e ovos de polvo — saudáveis e deteriorados — e testaram como esses microrganismos interagiam com 26 receptores desconhecidos presentes nos braços dos animais. Apenas micróbios específicos conseguiam ativar esses sensores. Ou seja, os polvos reagem negativamente a certos microbiomas como se fossem um "sinal de alerta".
"O polvo, nesse sentido, está fazendo uma espécie de leitura química das superfícies", explica Nicholas Bellono, líder do laboratório de Harvard onde a pesquisa foi conduzida. Para ele, o comportamento dos polvos pode ser um reflexo de uma linguagem universal baseada em micróbios, que influencia a forma como animais percebem o mundo — e até uns aos outros.
Questionamentos
A descoberta também levanta novas questões: será que os polvos usam esse mecanismo para interações sociais? Poderiam detectar parceiros para acasalamento ou identificar doenças entre os seus? Para Chelsea Bennice, especialista em microbioma de polvos, essas são hipóteses plausíveis. E, em tempos de mudanças climáticas, entender como os polvos evitam superfícies contaminadas pode ser crucial para protegê-los contra surtos de doenças em oceanos em aquecimento.
Segundo a 'Folha de São Paulo', mais do que desvendar um comportamento fascinante, o estudo mostra que os microrganismos podem estar no centro de interações ecológicas muito mais complexas do que se imaginava. Como afirma Bellono: "Talvez os micróbios não apenas acompanhem a vida animal — talvez eles ditem as regras".


