Entre altos e baixos, 'Vale Tudo' fez história
Anamaria

Assisti a 172 capítulos de Vale Tudo. Sentar em frente à TV às 21h15, depois do “boa noite” de William Bonner, virou rotina para mim. Hoje vai ao ar o capítulo número 173 do remake que agitou a teledramaturgia nos últimos seis meses. Agora sabemos quem tentou matar Odete — Marco Aurélio — e que ela está viva. A reviravolta foi apresentada em uma sequência de eventos cheia de furos que pareceu existir apenas para agradar o público, que se apegou à antagonista. Dito isso, é possível fazer um balanço dos principais acertos e tropeços da trama.
Nova versão de Odete
A antagonista icônica ganhou uma releitura à altura: repaginada, moderna e filha de seu próprio tempo. Brilhantemente interpretada por Débora Bloch, a nova Odete conquistou a audiência. A vilã se aproximou do público, mas sem cair na armadilha da humanização de uma personagem essencialmente sórdida. Foi sedutora, obstinada e disse o que muitas mulheres jamais ousariam dizer, mas gostariam.
A complexidade da personagem fica evidente na cena em que, após um ataque cardíaco, confessa ao próprio filho que nunca sentiu prazer na maternidade. “Ser mãe exige muita submissão, muita abnegação. É até um pouco humilhante. Não nasci pra ser mãe, Afonso! Ser mãe exige muito. Talvez eu tenha nascido pra ser pai, um pai ausente, como quase todos, e vocês iriam me amar se eu fosse pai”, disse ela, em uma sequência arrepiante. Obrigada, Débora, por presentear os noveleiros com uma interpretação que fez jus à vilã das vilãs.
Uma novela sem protagonista
Talvez o maior erro de Manuela Dias tenha sido reduzir a importância de Raquel na trama. Taís Araújo mostrou, nos primeiros capítulos, que estava pronta para entregar uma protagonista grandiosa. Infelizmente, o desenvolvimento da personagem acabou soterrado.
Praticamente ausente em inúmeros episódios, e com justificativas frágeis e repetitivas, Raquel perdeu espaço em momentos cruciais da história. Na versão original, é ela quem desmascara Odete e revela a verdadeira responsável pela morte de Leonardo. Taís fez das tripas coração e defendeu, com muita dignidade, uma personagem com potencial para representar tantas mulheres negras brasileiras que lutam diariamente pela sobrevivência.
Cadê a trama que estava aqui?
Por ser uma obra aberta, escrita conforme vai ao ar, Manuela Dias teve liberdade para ajustar o rumo da história conforme o clima e o feedback do público. O que poderia ser uma carta na manga acabou virando uma irritante sequência de plots esquecíveis. Afinal, onde foi parar o pai de Sarita, que surgiu prometendo dar mais profundidade ao núcleo e desapareceu em dois capítulos, sem maiores explicações? E os bebês reborn, incluídos às pressas para surfar em uma tendência real, mas esquecidos na mesma velocidade?
“Água saborizada, dona Celina?”
Enquanto algumas tramas entraram e saíram da novela em tempo recorde, outras poderiam ter simplesmente parado onde começaram. É compreensível que a autora quisesse homenagear a versão de 1988, incluindo falas e enredos marcantes da televisão, mas convenhamos: nós já sabemos que o César “não transa violência” e perdemos as contas de quantas vezes ouvimos a palavra “maionese” ao longo de quase uma semana. Foi cansativo acompanhar Consuelo maldizendo o filho e a ex-amiga-namorada e o mordomo Eugênio oferecer uma aguinha saborizada aos bilionários.
A Tomorrow, revista que se tornou o cenário de um núcleo importante da trama, virou uma grande vitrine. É válida a justificativa econômica para tantas inserções – em média, uma a cada 50 minutos, segundo levantamento da Folha de S. Paulo -, mas a sutileza ficou pelo caminho.
Não prometeu, mas entregou!
Finalizar este balanço sem destacar os acertos da autora seria injusto. Carregar o peso dramático de Vale Tudo e ainda cativar o público é tarefa para poucos – e Manuela conseguiu. Na versão original, Olavo, amigo inseparável de César, tinha pouco espaço (e carisma); já em 2025, ao lado do personagem de Cauã Reymond, a dupla ganhou o carinho dos fãs e trouxe alívio cômico na medida certa. Vamos sentir saudade!

As mudanças que mantiveram Leonardo vivo e deram a Afonso um câncer foram bem-vindas, trazendo profundidade e explorando com maestria o talento de Humberto Carrão e Guilherme Magon.
Reclamamos, esperneamos e questionamos cada decisão de Manuela Dias, mas uma coisa é certa: a novela conquistou o público noveleiro, sedento por boas histórias no horário nobre. Valeu a pena – e já estou com saudade. Agora, é esperar por um folhetim tão icônico quanto Vale Tudo. Bem-vinda, Três Graças!
Leia também:
Odete Roitman não morreu? Veja como vilã sobreviveu no remake de ‘Vale Tudo’
A matéria acima foi produzida para a revista AnaMaria Digital (17 de outubro). Se interessou? Baixe agora mesmo seu exemplar da Revista AnaMaria nas bancas digitais: Bancah, Bebanca, Bookplay, Claro Banca, Clube de Revistas, GoRead, Hube, Oi Revistas, Revistarias, Ubook, UOL Leia+, além da Loja Kindle, da Amazon. Estamos também em bancas internacionais, como Magzter e PressReader.

