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Como os clássicos podem dialogar com os jovens contemporâneos?
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Como os clássicos podem dialogar com os jovens contemporâneos?

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Aventuras Na História
06/07/2025 19h00
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©Divulgação/Companhia de Heliópolis
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Os tempos atuais constituem enorme desafio para a pedagogia. O avanço da tecnologia e o amplo acesso aos celulares trouxeram um mundo de possibilidades, informações e entretenimento num mesmo aparelho.

Essa ferramenta atrativa acabou revolucionando comportamentos até dentro da escola. Os recreios tornaram-se menos barulhentos. Os grupos que antes se reuniam para conversar animadamente foram substituídos por indivíduos isolados, encostados às paredes com as cabeças abaixadas, olhos fixos na luz dos celulares.

O comportamento passou a ocorrer também nas salas de aula, gerando reações diversas por parte dos educadores. Há aqueles que pretendem impedir sua utilização nas escolas, com base no entendimento de que ela desvia do seu principal objetivo, que é o de fazer os alunos se atentarem para os conteúdos desenvolvidos na aula. Há, ainda, aqueles que defendem sua utilização como ferramenta pedagógica de auxílio no aprendizado.

O teatro na educação

Nesse contexto, o teatro, especialmente o teatro na educação, apresenta-se como um poderoso instrumento que possibilita o desligamento do aluno desse “bem precioso” de forma natural, pois é uma atividade que estimula a expressividade, a criatividade e o trabalho em grupo.

Enquanto estamos trabalhando os fundamentos da arte na educação, o foco é o ser humano, e isso interessa aos alunos. Tudo que nos é próximo nos interessa. Contudo, se quisermos avançar além das aulas de teatro, com seus jogos interativos e expressivos de improvisação e interpretação, e desejarmos partir para uma tarefa mais elaborada, como a montagem de um espetáculo para apresentações, os desafios aumentam.

O ritmo da modernidade mudou. Qualquer foto tirada e postada na internet provoca aplauso imediato através dos “likes”, que geram sensação imediata de prazer e vão condicionando aquele que postou. Tudo isso em poucos segundos. Então como fazer um aluno acreditar que para ter o “like” de uma apresentação teatral, que são os aplausos ao final do espetáculo, ele terá que se dedicar durante vários meses em ensaios que muitas vezes não são atrativos?

Nos ensaios de teatro, como na vida, nem todos os dias são felizes e confortáveis. Um dia após o outro, vencendo os diferentes desafios que vão se apresentando, é que vamos construindo um resultado final poderoso.

Portanto, para que os alunos da atualidade confiem seu tempo e energia num projeto assim, são necessárias duas coisas: comando seguro do professor e um projeto atraente para a sua faixa etária. Ou seja, um docente com domínio do conteúdo de sua disciplina aliado a um projeto cativante, de forma a afastar o jovem do celular naturalmente para se concentrar na montagem de um espetáculo teatral.

Adaptação de clássicos

E um projeto cativante significa, necessariamente, a abordagem de temas atraentes para esses adolescentes, tratando de seus questionamentos, problemas e dramas, com o objetivo de alcançar uma aproximação com eles. Penso que não devemos ficar fixados na ideia de que as obras clássicas não podem ser adaptadas porque já estão acabadas. Se superarmos essa questão, estaremos livres para atingir o coração desses jovens.

Para atingir esse objetivo, a sugestão é que esses clássicos sejam adaptados ao linguajar da juventude atual, modificando determinados elementos e situações para que a história original fique mais próxima deles. Dessa forma, eles acabarão por perceber e entender a narrativa por trás daquelas palavras julgadas “antiquadas” e difíceis de pronunciar, reconhecendo que elas, na verdade, são potentes e interessantes.

Desenvolvo há trinta anos um trabalho de pesquisa prático voltado para adolescentes, adaptando, montando, apresentando e debatendo histórias clássicas. Durante essa trajetória, acabei percebendo que essa a estratégia, ao final, provoca um efeito interessantíssimo: após dominarem e apresentarem os espetáculos feitos com essas adaptações, os jovens atores, assim como seu público, também adolescente, passam a se interessar não só por aquela história contada por eles, mas também por pesquisar a antiga história original.

Assim, eles passam a ter curiosidade pela narrativa do clássico, comparando as palavras usadas no texto original com aquelas que compõem a versão apresentada por eles, divertindo-se e não mais achando o palavreado antigo chato, sim, mas interessante. Aos poucos vão perdendo o medo da leitura dos clássicos, o que constitui uma grande esperança de que eles se tornem adultos interessados em conhecer as grandes obras da humanidade. E isso acontece não somente com os alunos integrantes das montagens.

Na adaptação que escrevi do clássico de Edmond Rostand, “Cyrano de Bergerac”, que conta a história do poeta e espadachim Cyrano, este herói é um aluno da rede municipal de educação que sofre bullying por preferir ficar lendo ao invés de usar o celular, ouvir música clássica ao invés de funk e ainda ser baixinho, cheio de espinhas, asmático e usar óculos. Sua baixa autoestima o impede de se declarar para a linda Roxane, a colega de turma, por quem também se interessa seu amigo Cristiano, cobiçado por todas as meninas por ser atraente e bom de bola.

Cristiano, percebendo que Roxane não tinha os papos fúteis das outras garotas, decide pedir ajuda a Cyrano para seduzi-la e, então, este põe em prática um plano de ficar mandando mensagens de WhatsApp para Cristiano com orientações sobre assuntos interessantes a discorrer com sua amada. Tudo vai bem até que acontece um final surpreendente na escola.

Esse espetáculo fez enorme sucesso entre os jovens: ficamos quatro anos em cartaz, sempre debatendo com a plateia a questão do bullying após as apresentações. Formou-se até um público fiel de adolescentes, sendo que alguns chegaram a assistir ao espetáculo dezessete vezes.

A avó de uma aluna integrante do elenco, encantada com a história da peça, solicitou à neta que lesse para ela o texto original, pois era analfabeta. Minha aluna me contou o caso, e enviei para a senhora a peça original para ser lida. Além dos alunos-atores, também a plateia passou a se interessar pelos clássicos.

Outro exemplo interessante ocorreu na montagem de “O amor de Pedro e Inês”, que dá nome a meu livro recém-lançado, contendo as quatro últimas peças montadas com os jovens.

Nela, o relacionamento entre Inês de Castro e D. Pedro, história de amor mais conhecida em Portugal, mas desconhecida pelos jovens brasileiros, é adaptado por um grupo de teatro de uma escola no alto de uma comunidade carioca, que realiza seus ensaios enquanto, do lado de fora, vai se desenrolando uma guerra entre traficantes de drogas.

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Capa do livro O Amor de Pedro e Inês - Divulgação

No decorrer da peça, fantasia e realidade se entrelaçam, culminando num final muito impactante.

Nessa montagem, além de discutirmos a questão da violência urbana através de uma história clássica, fomos introduzindo diversas músicas de artistas portugueses modernos para que os alunos pudessem conhecer.

Certo dia, quando estava passando pelo recreio da escola, que fica em espaço anexo ao nosso lugar de apresentações, me surpreendi com uma música portuguesa sendo ouvida por um grupo de alunos. Curioso, perguntei a eles sobre a música, e me revelaram que, assistindo a nossa montagem, gostaram muito não só da história, mas também das músicas.

Por isso fizeram uma pesquisa sobre artistas portugueses, organizando uma playlist.

Assim, a abertura para o conhecimento de novas culturas e narrativas acaba sendo um dos mais importantes objetivos das montagens de adaptações dos clássicos no ambiente escolar. Apesar de todo esse processo ser muito trabalhoso e desafiador, temos também a alegria de perceber que, após cada dia de ensaios e apresentações, o tempo acabou passando de forma diferente, sem que ninguém se importasse com o Instagram.


*Rodrigo Rangel é ator desde 1989, formado pelo curso O Tablado e UNIRIO, com Mestrado em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense. Possui mais de 70 trabalhos na Rede Globo, onde interpretou personagens como o Moreira (sequestrador de Carminha em “Avenida Brasil") e Peçanha (delegado em “Totalmente Demais”). Como educador teve grande impacto no Rio de Janeiro. Em 2017, recebeu da Câmara Municipal a Moção de Reconhecimento e Louvor e, no ano seguinte, foi o primeiro professor de teatro a receber a Medalha Carioca de Educação.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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