Adeus, Fidel: A morte do líder revolucionário sob olhares impactantes em Cuba

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O sol ainda não tinha nascido, mas as pessoas já começavam a aparecer no Malecón. Tinham ido por dever, mas também de bom grado, porque queriam vê-lo.
El Comandante, El Caballo, o homem que tinha um retrato em todas as repartições públicas do país, em quem todos os cubanos adultos haviam pensado todos os dias da vida, nem que fosse por um único segundo, a criatura com um nome que podia ser dito aos gritos ou aos sussurros, porém nunca com indiferença — Fidel — havia morrido.
Numa galeria subterrânea na Plaza de la Revolución, o caixão foi posto em um catafalco e coberto com a bandeira de Cuba. A caravana de la libertad, como as autoridades a haviam chamado, estava a caminho.
Quando Fidel Castro saiu na direção contrária, de Santiago, onde a revolução havia começado, rumo a Havana, em 8 de janeiro de 1959, ele estava no alto de um tanque com um rifle na mão, recebendo a aclamação do povo. Os chapéus voavam pelos ares: “viva fidel!”.
A entrada foi repleta de esperança no futuro, e Fidel tornou-se uma referência para o mundo inteiro. Cuba simbolizava as grandes forças da época: socialismo versus capitalismo.
Sessenta anos depois de a revolução chegar a Havana, as cinzas de Fidel deixavam a cidade para voltar a Santiago, onde o túmulo o aguardava, e Cuba era outro lugar. As autoridades declararam luto oficial de nove dias, tudo fechou e a venda de bebidas alcoólicas foi proibida.

De hora em hora ouvia-se um disparo de canhão no forte militar a oeste do porto — bramidos graves que pulsavam acima do canal e eram sentidos no peito dos moradores. Na tv ninguém dizia “bom dia” ou “boa tarde”, porque já não existiam mais bons dias ou boas tardes. As transmissões eram repletas de crianças chorosas e âncoras tristonhos.
El comandante não morreu”, disse uma criança que mal tinha dentes. “Eu sou Fidel.” Esse era o novo slogan do partido. Uma entrevista com uma mulher vestida de vermelho foi reprisada diversas vezes. “Fidel não morreu”, ela dizia, olhando para a câmera. “Ele é o céu, ele é o mar, ele é a terra, ele é o povo.”
Linet sentou-se no muro à beira-mar, sob a luz de um poste de iluminação pública. Ela não sentia alegria nem tristeza; o choque de saber que aquele que era o céu e a terra, o céu e o povo não existia mais, havia passado. Fidel tinha morrido. E daí?, Linet disse para si mesma. Isso acontece com os velhos.
Sob visões diferentes
A avó, por outro lado, tinha sofrido um profundo abalo com a notícia daquela morte. Gloria ainda se lembrava de quando o levante de Fidel havia começado — o ataque contra o quartel Moncada, em Santiago. Por acaso, naquele dia ela estava no hospital com o tio de Linet.
O hospital ficou no meio do fogo cruzado, e ela precisou fugir com o filho nos braços em meio aos silvos das balas. Do lado de fora, soldados se espalhavam. Na época, Gloria trabalhava como empregada para uma família rica e não ganhava mais do que migalhas.
Ela se juntou à revolução e começou a preparar coquetéis molotov na mesa da cozinha ao lado dos irmãos enquanto os homens da família iam para a selva lutar com a guerrilha.
Depois do triunfo da revolução, a avó de Linet se colocou mais uma vez à disposição, dessa vez para ensinar as pessoas dos vilarejos rurais a ler e a escrever. Esse tipo de experiência fez com que, na manhã em que ouviu que Fidel havia morrido, Gloria começasse a chorar como se houvesse perdido uma pessoa da família.
Dalila, por outro lado, só havia praguejado por dentro. A comemoração dos quinze anos estava arruinada, e naquele momento a avó determinou que não haveria festa nem música. Dalila queria ao menos colocar música baixa nos alto-falantes da sala, mas o assunto não foi levado adiante.
A reação de Linet ficou no meio do caminho entre a reação da mais velha e da mais nova. Ela já não acreditava mais na propaganda do partido. Ao mesmo tempo, não podia fazer mais de dois anos desde que ela havia se desligado da Unión de Jóvenes Comunistas.
Mesmo que nunca tenha dito para si mesma que já não se importava mais com Fidel e que a menina de quinze anos no cartão já não existia mais, pela manhã Linet estava na calçada, à espera da caravana de la libertad.
Ela tinha recebido do chefe do setor de TI um e-mail com as atividades durante o período de luto oficial — o que incluía um encontro às seis horas na esquina da San Nicolás com a Virtudes. Mas o que havia levado Linet ao Malecón era mais do que o simples dever.
O encontro era grande o bastante para que as pessoas tivessem organizado uma fila em cada lado da rua, desde a Avenida de los Presidentes em Vedado até o túnel e a cidade antiga. Todos estavam sentados no meio-fio, à espera do último encontro com o líder.
Um policial percorreu a rua e pediu a todos que se levantassem. Todos obedeceram, mas às costas dele, já fora do campo de visão, as pessoas tornavam a se sentar. Parecia uma ola nos estádios de futebol.
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Linet tentou avistar o chefe. Queria ser vista, para que o chefe soubesse que ela havia comparecido. Um grupo de colegas acenou, e Linet foi juntar-se a eles. Uns tinham pequenas bandeiras de Cuba para distribuir, e além disso uma caneca de café ia de um lado para o outro.
Os colegas falaram um pouco sobre o preço da comida e comentaram que o preço da cebola havia caído bastante. Ainda não se via a caravana, mas uma senhora começou a descer o Malecón com passos apressados.
Ela segurava uma bandeira acima da cabeça como se fosse uma marreta enquanto bradava uma ordem: “Quando ele aparecer, todos vão gritar: ‘eu sou fidel!’. Entendido?”. Linet e os colegas trocaram olhares.
Será que é uma louca qualquer? Ou será que trabalha para eles?”
“Talvez as duas coisas”, veio a resposta, e Linet riu. O sol de repente surgiu acima do mar, helicópteros apareceram no céu e câmeras de tv foram apontadas para a rua. Milhares de bandeiras azuis, vermelhas e brancas tremulavam.
O trecho acima foi tirado do livro 'Havana Taxi: Relatos de Cuba', escrito por Ståle Wig e publicado no Brasil pela Buzz Editora.
*Ståle Wig é doutor em antropologia social. Para sua tese, morou por cerca de dois anos em Havana, registrando, ao volante de um táxi, narrativas sobre as reformas de mercado de Cuba. Havana táxi, resultado desse trabalho, levou sete anos para ser concluído. Atualmente, é pesquisador na Universidade de Oslo.


