Como os problemas com o pai de Alexandre, o Grande, remodelaram o mundo

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Hoje, o nome "Alexandre, o Grande" carrega muita imponência e poder, e é verdadeiramente digno das glórias que essa figura histórica conquistou. Embora tenha vivido apenas 32 anos, ele foi um dos maiores líderes militares que o mundo já viu, conquistando um enorme território que ia desde os Bálcãs, no sudeste da Europa, até o atual Paquistão — sendo assim soberano de um dos maiores impérios do mundo antigo.
No entanto, embora seja envolto em muitas glórias, a infância de Alexandre não foi das mais tranquilas, em especial no que se refere à sua relação com o pai, o rei Filipe II da Macedônia. E um fator especialmente marcante para isso está na prática da poligamia, que era comum na corte da Macedônia.
Segundo o National Geographic, na antiga Macedônia o casamento era uma instituição politicamente orientada, sendo frequentemente usado para estabelecer relações diplomáticas ou meramente para garantir a sucessão real. Em sua vida, Filipe teve sete esposas, mas somente duas delas lhe deram filhos homens que poderiam sucedê-lo, sendo eles Filipe III Arrideu e o próprio Alexandre — algumas fontes mencionam um terceiro, Carano, que pode ter morrido ainda durante a infância, mas sua existência ainda é motivo de debate.
Assim, com a ausência de um sistema claro de sucessão real e com multiplicidade de esposas sem hierarquia formal, era comum que surgissem conflitos na corte. E para ser herdeiro do trono, não bastava ser "o filho mais velho" ou algo do tipo. Para ser digno, o principal era ser membro da dinastia Argéada, descendente de Pérdicas I, que fundou o reino no século 7 a.C..
Filho de estrangeira
Outro fator importante para se determinar um herdeiro era o prestígio político e a importância da família materna. Dessa forma, a aristocracia Macedônia certamente preferia um herdeiro proveniente da própria nobreza e aristocracia local, e filhos de mulheres estrangeiras — como o caso de Alexandre, filho de Olímpia, que vinha do Epiro — tinham menos legitimidade.
Além disso, outro fator era o apoio que o potencial herdeiro conseguia reunir entre diferentes facções do reino, o que era fundamental para garantir a estabilidade política. No fim, a decisão cabia exclusivamente ao monarca, mas certamente as esposas tinham um papel importante na colocação de seus descendentes masculinos na linha de sucessão.
Nesse contexto, na prática, Alexandre teve um caminho relativamente simples para o poder. Embora fosse mais novo que Arrideu, este era mentalmente incapacitado — o que algumas fontes históricas associam a um possível envenenamento de Olímpia para tentar removê-lo dentre os candidatos ao trono.
Enquanto isso, Alexandre foi criado de maneira digna de um príncipe. Ele foi treinado em disciplinas tradicionais como gramática, retórica, aritmética e geometria — inclusive, sendo educado pessoalmente durante três anos por Aristóteles —, além de atividades físicas como caça e treinamento de combate.

Provação
Ainda bastante jovem, Alexandre teve uma oportunidade de colocar em prática a educação que teve ao longo de sua vida. Em torno de 340 a.C., quando tinha apenas 16 anos, durante uma das inúmeras ausências de Filipe, ele atuou como regente e liderou uma campanha bem-sucedida contra a tribo trácia dos medí, fundando na época um assentamento militar nomeado de Alexandrópolis Medica — a primeira de muitas cidades que fundaria e batizaria com seu próprio nome, ao longo de sua vida.
Dois anos depois, ele foi designado para liderar a ala esquerda do exército macedônio durante a Batalha de Queroneia, para deter as tropas combinadas de Atenas, Tebas e outras cidades gregas que se opunham ao domínio de Filipe. Enquanto o rei macedônio, que liderava a ala direita do exército, simulou uma retirada que enganou o inimigo e o levou a abrir suas fileiras, Alexandre aproveitou a oportunidade para atacar a unidade inimiga mais poderosa, o corpo de elite conhecido como Banda Sagrada de Tebas.
Após a batalha, que terminou com a vitória macedônia, Alexandre, em seus 18 anos, ainda demonstrou grande perspicácia política e destreza militar. Ele foi enviado a Atenas para assinar um acordo de paz, e levou consigo 2.000 prisioneiros atenienses libertos e as cinzas de outros 1.000 mortos, que entregou à cidade e, com isso, pôde efetivamente diminuir a humilhação ateniense.
Após isso, Alexandre, acompanhado pelo general Antípatro, assumiu o comando das negociações subsequentes em Atenas, e com isso já se mostrava um sucessor digno de seu pai. Até aqui, aparentemente a relação entre Filipe, Olímpia e Alexandre era relativamente boa.
Tanto que, após a vitória de Queroneia, Filipe ordenou a construção de um monumento simbólico, o Filipeion, em celebração ao triunfo. Nele, estavam estátuas do próprio Filipe, de seus pais, Amintas III e Eurídice I, além de Alexandre e Olímpia — uma verdadeira indicação de que Alexandre poderia ser o herdeiro. Porém, essa tranquilidade foi temporária.

Primeiro impasse
Isso porque, pouco após a construção do Filipeion, o rei macedônio tomou uma decisão controversa: se casou com uma jovem chamada Cleópatra, proveniente da própria aristocracia macedônia.
O motivo para isso ser uma confusão é que, até então, Filipe nunca tinha se casado com uma macedônia: Audata era ilíria, Fila era de Elimeia, Filina e Nicesípolis eram da Tessália, Olímpia era princesa do Épiro e a sexta, Meda, era de origem trácia. Porém, por Cleópatra, a sétima e última, Filipe ficou "violentamente apaixonado", segundo descrito pelo escritor grego Ateneu.
É claro que esse casamento também havia um propósito político. De início, Filipe não tinha interesse em se casar com a nobreza macedônia, mas nesse momento buscava apoio antes de iniciar sua invasão à Pérsia. Como Cleópatra era sobrinha de Átalo — um dos generais que lideraria a ofensiva —, o vínculo era fundamental.
E esse casamento certamente deixou Alexandre inquieto. Até esse momento, ele era certamente o principal candidato à sucessão, mas caso Filipe e Cleópatra tivessem um filho homem, esse plano poderia ser comprometido.
E essa tensão crescente entre Alexandre e seu pai culminou em um fatídico episódio durante um banquete na véspera do casamento com Cleópatra. Na ocasião, Átalo aproveitou o brinde para proclamar o desejo de que Cleópatra garantisse "um herdeiro legítimo" ao reino — o que Alexandre interpretou como um ataque pessoal.
O historiador grego Plutarco, inclusive, relatou esse episódio: "Átalo, então, era tio da moça e convocou os macedônios a pedir aos deuses que de Filipe e Cleópatra pudesse nascer um sucessor legítimo... Alexandre ficou exasperado [e gritou]... 'Vocês me tomam por um bastardo?' [e] jogou uma taça nele. Então Filipe se levantou contra [Alexandre], mas, felizmente para ambos, sua raiva e seu vinho o fizeram tropeçar e cair. Então Alexandre, zombando dele, disse: 'Vejam agora, homens! Aqui está alguém que estava se preparando para cruzar da Europa para a Ásia [aludindo à invasão da Pérsia]; e [ele caiu] ao tentar cruzar de leito em leito'".
Após esse episódio, Alexandre e sua mãe se exilaram, possivelmente com alguns de seus amigos mais próximos. Primeiro, ele se refugiu na corte de seu tio, Alexandre de Epiro, e posteriormente com Lângaro, rei dos agrânios.
Segundo impasse
Algumas fontes históricas ainda sugerem que o exílio de Alexandre tivesse outras razões além do desentendimento. Por exemplo, sugere-se que Filipe queria deixar Alexandre encarregado dos assuntos gregos durante a invasão — porém, embora secundário, o jovem príncipe não se adaptou bem a esse papel importante. Fato é que Filipe não podia se aventurar pela Ásia antes de estabelecer a ordem em sua própria casa, e por isso acabou abrindo caminho para o eventual retorno de Alexandre.
Porém, a paz entre Alexandre e Filipe durou pouco. Nesse momento, Alexandre já carregava uma crescente desconfiança com relação a seu pai — que, ansioso por estabelecer uma posição na Ásia, já havia arranjado o casamento de seu filho Arrideu com a filha do sátrapa persa Pixodaro.
Mas receoso que esse casamento o relegasse a um segundo plano, o próprio Alexandre interferiu nas negociações, e se apresentou como um potencial marido. Essa interferência arruinou os planos de Filipe, e Alexandre fez algo impensável para seu tempo: intrometer-se nos casamentos dinásticos, o que era um direito exclusivo ao rei.
Vale mencionar ainda que alguns pesquisadores chegaram a sugerir que Filipe pretendia seguir o costume macedônio de arranjar o casamento de Alexandre com Cleópatra, sua última esposa, que serviria como um sinal claro de que ele estava passando seu reino para o filho. Isso explicaria o motivo de Filipe não considerar Alexandre um pretendente, e mais um reforço de que ele era o herdeiro do trono — ainda mais porque, com Cleópatra, Filipe teve uma filha, Europa.
Morte inesperada
Nesse cenário de tensão entre Filipe e Alexandre, o mundo macedônio foi surpreendido em 336 a.C.: naquele ano, Filipe foi assassinado em Aigai, enquanto celebrava o casamento de sua filha, Cleópatra — também fruto de seu casamento com Olímpia — com seu tio Alexandre de Epiro.

Segundo algumas fontes antigas, o assassino, Pausânias, um membro da guarda real, realizou o ato por vingança. Acreditava-se que ele fosse ex-amante do rei, e tinha ciúmes do novo relacionamento que ele teve com uma criada. E após uma discussão entre Pausânias e a amante, ela cometeu suicídio — e, como punição, Átalo teria contratado servos para estuprá-lo. Ele chegou a denunciar o mandante a Filipe, mas o rei não tomou nenhuma atitude contra Átalo, tio de sua então esposa.
Apesar de tudo, as nuances em torno do assassinato, como a possibilidade de outras pessoas envolvidas no plano, sempre foram e continuarão sendo um mistério. Fato é que, após isso, Alexandre foi proclamado rei pelo exército, e após isso começou a eliminar quaisquer rivais que pudessem tentar ofuscá-lo.
E o expurgo foi bastante amplo, indo desde Átalo, que nesse momento era proeminente na Ásia, até Amintas IV, sobrinho de Filipe que chegou a reinar brevemente durante a infância. O historiador romano Justino também chegou a afirmar que Olímpia matou Europa, filha de Cleópatra, e forçou a última esposa de Filipe a se enforcar diante do cadáver da filha.
Vale mencionar ainda que, embora a relação entre Alexandre e Filipe tenham sido tensas, Alexandre chegou a discursar em defesa do pai em 324 a.C., quando suas tropas se amotinaram no rio Opis: "Ele [Filipe] encontrou vocês vagando sem recursos, [...] pastoreando pequenos rebanhos nas montanhas, [defendendo-os contra] os ilírios, os tribais e os trácios vizinhos. Ele os deu mantos para vestir em vez de peles de carneiro, os trouxe das montanhas para as planícies e os tornou um adversário na guerra para os bárbaros vizinhos... Ele os tornou moradores da cidade e os civilizou com boas leis e costumes".
Mas certamente isso se contrasta com outro episódio, que ocorreu alguns anos antes, quando Alexandre matou um de seus generais, Cleito, o Negro, durante um banquete. O historiador romano Quinto Cúrcio Rufo narrou que Alexandre, certa vez bêbado, gabou-se de sua vitória na Batalha de Queroneia, mas disse que o pai havia diminuído sua glória.
Ele ainda disse que Filipe, após ter sido ferido no campo de batalha, se fingiu de morto, enquanto Alexandre protegia seu corpo de outros ataques. Indignado com a ofensa à honra do rei, Clito desafiou Alexandre, que o atravessou com uma lança.
De qualquer forma, todas essas nuances na relação entre Alexandre e seu pai certamente moldaram a jornada e a personalidade do grande rei macedônio, que conquistou grandezas ao longo de sua vida, antes de falecer em 323 a.C., eternizado na história como Alexandre, o Grande.


