Pracinhas: Qual a origem da expressão 'a cobra vai fumar'?
Aventuras Na História

A expressão “a cobra vai fumar” ganhou notoriedade no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, ao ser adotada como símbolo da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutou ao lado dos Aliados na década de 1940. À época, diante da hesitação do governo Vargas em entrar no conflito, críticos ironizavam que "seria mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil ir à guerra". O país entrou, e a "cobra fumou".
Em 16 de julho de 1944, o primeiro contingente da FEB, composto por cerca de 5.800 soldados sob o comando do general Zenóbio da Costa, desembarcou em Nápoles, Itália. Após um período de aclimatação e treinamento sob supervisão americana, as tropas brasileiras integraram o 5º Exército norte-americano, parte do 10º Grupo de Exércitos Aliados, com a missão de conter o avanço das tropas alemãs rumo à França.
A FEB iniciou sua participação nos combates em setembro de 1944, assumindo posições na linha de frente antes ocupadas por tropas americanas. Em suas primeiras ações ofensivas, os pracinhas libertaram localidades como Massarosa, Camaiore e Monte Prano.
Nos meses seguintes, envolveram-se em batalhas decisivas por pontos estratégicos, como Monte Castello, onde enfrentaram forte resistência das tropas alemãs e condições adversas do terreno e do clima.
Origem da frase
A associação da frase ao grupo militar ganhou versões distintas ao longo do tempo. A mais conhecida atribui sua origem a uma suposta declaração de Adolf Hitler, em tom de desdém. Embora improvável, essa anedota foi absorvida pelos próprios soldados como símbolo de superação.
Durante muito tempo predominou a versão de que essa ideia teria surgido a partir de uma fala do Hitler sobre a inviabilidade da participação brasileira na guerra. Ele supostamente teria dito que seria mais fácil ver uma cobra fumando do que o Brasil entrar na guerra", explicou o historiador Cesar Campiani ao site Terra.
"Essa anedota foi adotada, em fins de 1944, pelos brasileiros na Itália. Ficou bastante popular e a expressão foi transformada em um distintivo de braço que só começou a ser usado na Itália, no início de 1945, seguindo uma sugestão que foi dada ao comandante da FEB", acrescentou.
A ironia inicial acabou se transformando em símbolo de orgulho nacional quando cerca de 25 mil militares brasileiros participaram dos combates na Itália, consolidando o lema como marca da FEB.

Outra versão, segundo Campiani, afirmava que "a cobra fumando seria o trem que passava no Vale do Paraíba que era visto pelos soldados que estavam fazendo exercícios nas montanhas próximo a Caçapava e Taubaté. O trem se assemelharia a uma cobra soltando fumaça, o que teria inspirado a cobra fumando".
Folclore urbano?
No pós-guerra, novas explicações sobre a origem do emblema surgiram entre veteranos. A historiadora Cristina Pellegrino Feres, autora de A dupla face da guerra: a FEB pelo olhar de um prisioneiro, registra ao Aventuras outra versão contada pelo veterano Newton Scaleia. Segundo ele, no fim dos anos 1930 e início dos 1940, ambulantes — muitos vindos de Goiás e Mato Grosso — faziam espetáculos de rua em São Paulo, especialmente na Praça da República.
Nesses shows, uma jiboia era exibida ao público e, em meio à performance, um dos ambulantes fingia acender um cigarro na boca do animal, dizendo: "Daqui a pouco a cobra vai fumar", enquanto os demais aproveitavam a aglomeração para vender produtos diversos.
Com a convocação para a guerra e o intenso movimento de jovens carregando malas rumo ao quartel no Parque Dom Pedro II, a frase ganhou novo significado. Os soldados passaram a gritar "Olha a cobra!" e "A cobra vai fumar!" como uma espécie de bordão coletivo, que logo se espalhou entre os integrantes da FEB.
Música em homenagem
Além de batizar os soldados da FEB, a expressão "a cobra vai fumar" também inspirou músicos da época, que celebraram em suas canções a entrada do Brasil na Segunda Guerra. Linda Batista (1919–1988) gravou "A cobra está fumando", composição de Benedito Lacerda e Haroldo Lobo, que traz versos como: "A cobra, quando fuma, o estrago é de amargar, e a cuíca, quando ronca, é um chuá!".
Outra música que faz referência direta ao lema da FEB é "Olha a cobra fumando", interpretada por Xerém e De Morais, com letra de Elpídio Viana e Pereira do Carmo. Essas composições captam o clima nacionalista e o entusiasmo popular em torno da atuação dos pracinhas brasileiros no front europeu.
"Olha a cobra fumando, olha a cobra fumando. Olha a cobra, pessoal. Abre a roda, bate palma, pede bis. E sai fumaça pelo nariz. Não tenha medo, pessoal, não há perigo. A cobra é braba mas não vai morder ninguém. Antigamente ele era mais feroz", diz a música.
