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'Sem os gays, a Igreja não existiria', diz autor de livro sobre padres homossexuais
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'Sem os gays, a Igreja não existiria', diz autor de livro sobre padres homossexuais

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Aventuras Na História
18/05/2025 19h00
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A presença de padres homossexuais na Igreja Católica é antiga, central e historicamente silenciada. Desde os primeiros séculos do cristianismo, há registros de relações entre clérigos do mesmo sexo — sempre acompanhadas de tentativas de repressão.

Mesmo assim, a hierarquia eclesiástica nunca conseguiu excluí-los de forma definitiva. Pelo contrário: muitos foram fundamentais na construção da teologia, da estética e da liturgia católicas.

"Há séculos, padres gays ajudam a sustentar a Igreja, mesmo sendo condenados por ela", afirma Brendo Silva, jornalista, pesquisador e ex-seminarista. Especialista em sexualidade e religião, ele acaba de lançar 'A vida secreta dos padres gays: Sexualidade e poder no coração da Igreja' (Matrix Editora).

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Capa do livro A vida secreta dos padres gays: Sexualidade e poder no coração da Igreja, de Breno Silva / Crédito: Divulgação

A obra escancara as contradições dessa estrutura com base em entrevistas com 16 homens ligados ao clero — padres em atividade, seminaristas, ex-seminaristas e religiosos que deixaram a batina: todos homossexuais.

O livro nasceu de uma inquietação pessoal. Ao entrar para o seminário ainda adolescente, Brendo logo percebeu um ambiente ambíguo, marcado por vigilância constante e um pacto tácito de silêncio.

"Quando entrei no seminário, com 14 anos, a maioria dos colegas eram gays. Primeiro foi um susto; logo veio a identificação, pois quem pertence a grupos minoritários busca um ambiente familiar", lembra em entrevista ao Aventuras na História.

Com o tempo, ficou evidente a hipocrisia entre o discurso oficial e a vivência real.

Fui percebendo que a Igreja mantinha um discurso falso, hipócrita, especialmente em relação à moral sexual. Como posso subir a um púlpito, usar um ambão, utilizar as estruturas da Igreja para afirmar que ser gay é um desvio de conduta, sendo que eu mesmo sou gay?", questiona Brendo.

Foi essa realidade que o ajudou a perceber que "o que a Igreja apresenta à sociedade e aos fiéis é muito diferente daquilo que ela é internamente — como instituição hierárquica, organizada. Havia uma dissonância".

Contradição institucional

Para Brendo, essa contradição é estrutural e se mantém por interesses mútuos e mecanismos de silenciamento. A Igreja, afirma ele, sempre atraiu homens gays — seja por desejo de pertencimento, prestígio, admiração pela liturgia ou busca de proteção social. Mas a ambiguidade se cristaliza sobretudo no celibato: ao proibir o casamento de todos os padres, a hierarquia evita discutir a sexualidade de seus membros.

Aceitar o casamento para todos os padres abriria uma nova discussão: esses padres gays poderiam se casar com outros homens? E, nesse ponto, sabemos que a aceitação do casamento gay na estrutura clerical da Igreja seria algo muito mais complexo, talvez até impensável no curto ou médio prazo. Por isso, manter o celibato é funcional para a hierarquia da Igreja", afirma.

A repressão, nesse contexto, é útil. A moral sexual punitiva se torna escudo institucional. "A Igreja reprime publicamente, mas internamente ela é composta por essas mesmas pessoas que, muitas vezes, vivem em conflito com os próprios dogmas que pregam", diz. 

"Imagine uma religião sem culpa, pecado e repressão. Ela perderia o poder. A fé institucional se sustenta em discursos que controlam. Sem medo, não há domínio". Por isso, segundo o autor, mesmo que muitos padres sejam homossexuais, o discurso público permanece conservador.

O livro também aborda a influência concreta de homens gays na construção da identidade católica. "Toda arte católica é, em grande medida, uma arte gay. Michelangelo, Da Vinci — estavam ali. Os grandes liturgistas, os cantores das celebrações solenes, muitos padres envolvidos com a estética da fé... A maioria era — e é — gay. Não falo isso de forma pejorativa, mas como elogio."

Sem os gays, a Igreja Católica, como a conhecemos, não existiria. Sei que é uma frase forte, mas é um fato. Sem a presença e a sensibilidade dos gays, não haveria como sustentar toda essa beleza, essa sofisticação litúrgica, essa herança artística que ainda hoje dá forma e continuidade à Igreja ao longo do tempo".

Mudanças possíveis?

A vida secreta dos padres gays chega em um momento de gestos tímidos do Vaticano em relação à população LGBTQIA+. No fim de 2023, o Papa Francisco autorizou a bênção de casais do mesmo sexo — desde que fora do rito litúrgico.

"Estamos passando por transformações políticas e tecnológicas que impactam diretamente a vida da Igreja. E, inevitavelmente, ela será afetada por essas mudanças — afinal, a Igreja está inserida no tempo e na história, vivenciando essas transformações. É claro que haverá muita resistência".

Segundo Brendo, qualquer mudança mais profunda será lenta e difícil. "Se a Igreja, de repente, dissesse que está tudo bem haver padres gays assumidos, isso geraria um impacto imenso, especialmente porque ela própria construiu, ao longo dos séculos, um discurso homofóbico e moralista contra pessoas LGBTQIA+"

Com o livro, ele espera humanizar esses religiosos: "Padres gays são vistos apenas como quem está se escondendo. Mas há uma história, uma dor, uma complexidade."

"A Igreja precisa falar sobre sexualidade de maneira honesta, não apenas sob a lógica do moralismo, do pecado ou do erro. A sexualidade precisa ser abordada como uma parte da nossa natureza humana — uma característica bonita, legítima, que deve ser respeitada, debatida e compreendida", conclui o autor. 

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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