Tragédia da TAM "é uma cicatriz permanente para todos os familiares", diz diretor

Aventuras Na História






Era 17 de junho de 2007. O voo TAM 3054, utilizando um Airbus A320-233, deixou o Aeroporto Internacional de Porto Alegre por volta das 17 horas. A aeronave tinha como destino o Aeroporto de Congonhas, mas uma falha durante o pouso, às 18h48, fez com que ela ultrapassasse a pista e colidisse contra um prédio da própria companhia aérea e um posto de gasolina na Avenida Washington Luís, provocando ainda uma explosão.
Dentro da aeronave havia 187 pessoas a bordo, sendo 181 passageiros e seis tripulantes. Além delas, outras doze pessoas em solo também foram vítimas fatais da tragédia — considerada o maior acidente aéreo do Brasil e da América Latina, com 199 mortes.
O episódio, ocorrido há quase duas décadas, acaba de ser resgatado pela Netflix com o documentário 'Congonhas: Tragédia Anunciada', que chega à plataforma de streaming nesta quarta-feira, 23 de abril.
É uma cicatriz permanente para todos os familiares — e cada um lida de sua forma", diz o diretor do documentário, Angelo Defanti, em entrevista exclusiva à equipe do Aventuras.
A dor da perda
Dividida em três partes, 'Congonhas: Tragédia Anunciada' recorda não só o acidente aéreo, mas também acompanha os desdobramentos do episódio através de entrevistas com familiares das vítimas, especialistas em aviação e personagens que estavam diretamente envolvidos no acidente.
"Tem familiar que, para continuar sobrevivendo, teve que se dessensibilizar, que contam certas histórias de maneira quase maquinal; mas tem outros que não, que mesmo com a tragédia tendo acontecido há quase 20 anos, logo na primeira palavra ela já começa a se emocionar", diz Defanti sobre como foi reviver esse momento trágico na vida de diversas pessoas.
Ao longo de horas e horas de diversas entrevistas, o diretor revela como conseguiu lidar com o turbilhão de emoções que ainda permeiam o tema. "Tive que manter o coração batendo. Quando era para eu me emocionar, eu também me emocionava".
"E acho que isso é quase que uma forma de respeito com a pessoa também. Ela entende que você tá ali junto com ela, no levar dela, na cadência dela — na cadência do relato e também na cadência da emoção. Tem uma sintonia nas entrevistas que a gente precisa estabelecer; seja às vezes com especialista técnico ou seja com um familiar que pressupõem mais cuidado da nossa parte".
E também é algo generoso dessas pessoas", salienta.

Angelo Defanti ainda destaca que o acidente de Congonhas teve um fator único na forma como as famílias lidam com a tragédia: se unindo e se organizando para lutar por Justiça com seus parentes — mas também cobrando seguranças para outros voos, para que o episódio não se repetisse. "São pessoas muito especiais, pessoas complementares. E que é uma associação muito forte até hoje".
"Diferente de muitos acidentes, é raro esse nível de organização entre elas. Elas são pessoas públicas que entenderam que o sofrimento delas pode ser revertido em prol da sociedade", salienta.
Embora muitas dessas pessoas estejam acostumadas a contar suas histórias e reviver a perda de seus familiares, Defanti aponta que muitas delas ainda se emocionam em gradações diferentes. "E acho que isso reflete até mesmo na série: algo doloroso de se falar e algo doloroso também de se tratar, de narrar".
"E claro que nunca fazendo sensacionalismo, mas, especialmente, nunca desviando da dor das pessoas. Acho que essa dor aconteceu, essa dor faz parte da história, faz parte até mesmo do país. Essa dor diz respeito a você, a mim, a todos nós".
Então, além do respeito, há também o não apagamento dessas histórias".
Legado de Congonhas
Após quase duas décadas da tragédia envolvendo o voo TAM 3054, o diretor Angelo Defanti discorre sobre a importância em debater o assunto para não deixar a tragédia cair no esquecimento: "Talvez, seja a primeira camada das coisas: não esquecer".
"E se a gente pensa que muitos aviões, centenas de aviões decolam e pousam em Congonhas todos os dias, a gente tem que lembrar que também é por conta dos procedimentos de segurança".
Angelo destaca que após um acidente como ocorreu em Congonhas, um novo procedimento de segurança é adotado pela aviação. "A aviação brasileira, depois do acidente de Congonhas, deu um salto. Ela, hoje, é uma das mais seguras do mundo; seguindo vários parâmetros. Mas foi por causa do acidente de Congonhas".
Apesar de sua importância, Defanti defende que o acidente de Congonhas está caindo no esquecimento da história brasileira: não só de forma natural, mas também cultural de nosso país. "É importante a gente rememorar. Existe um memorial lá no local do acidente e o memorial está completamente abandonado. Depauperado. Arruinado".
E isso, talvez, sirva como uma metáfora perfeita e triste para como o acidente se comporta".

Um dos alertas ligados pelo diretor é o fato do Aeroporto de Congonhas ser administrado pela iniciativa privada desde 2023; o que aumentou o movimento e número de voos no local. "Parece que justamente isso está acontecendo porque o acidente está ficando distante. Mas vamos ligar o alerta de novo. A aviação é algo muito delicado. Então, a gente precisa estar sempre pensando na segurança".
"É um pouco por aí: aumentar a consciência das pessoas; valorizar a aviação e melhorar a qualidade do debate público ao redor de Congonhas, ao redor dos incidentes recentes que tem acontecido, e renovar para as novas gerações. As novas gerações precisam entender que esse acidente aconteceu, que foi desse jeito e que, para não acontecer novos acidentes, é uma decisão nossa. Uma energização nossa".
Congonhas: Tragédia anunciada?
Ao longo do documentário, Angelo Defanti leva ao público diversos fatores que contribuíram para o acidente: desde os problemas da pista de Congonhas, passando por questões técnicas do Airbus até o procedimento adotado pelos pilotos.
Sendo assim, o acidente da TAM era evitável? Qual desses fatores foi mais contribuinte para a tragédia? "Eu não consigo fazer um ranking do que mais me chocou. Tudo me chocava".
"É engraçado porque quando eu comecei a estudar o acidente de Congonhas, qualquer pessoa que começa a estudar o acidente de Congonhas, tem a máxima da aviação de que: 'um acidente nunca é causado por um único fator. O acidente é uma série de fatores que, em conjunto, resultam num acidente'", explica.
Só que, primeiro, esse conjunto de fatores do acidente era muito gigantesco. É muito volumoso. É uma cadeia muito longa, muito mais longa do que de outros acidentes", destaca.
Angelo ressalta que os fatores que levaram à tragédia do voo TAM 3054 aconteceram muito antes do acidente acontecer: como o fato do Aeroporto de Congonhas não ter terminado suas obras na pista, devido ao período de férias, que fariam as ranhuras necessárias para o escoamento da água da chuva; ou então o fato da Airbus não ter feito um recall de suas aeronaves; entre outras coisas.
É uma série de coisas. Tem uma linha de descalabro. Toda essa escala no acidente é uma linha de descalabro".

"Quando a gente fala do acidente, parece que é só o acidente que levou aquilo, mas a gente tinha o contexto do apagão aéreo, por exemplo, que a gente não devia esquecer, mas que colaborou muito para o acidente. Tudo era atrasado, tudo era um voo muito lotado, tudo isso implica. A pessoa não é só o peso dela, é o peso da bagagem dela".
"O que mais me chocou era o conjunto: como pode, ao mesmo tempo, tanta coisa desconcertada acontecer? E que a gente não repita isso, que a gente ligue nosso farol — e que o acidente seja meio isso, uma espécie de farol que vai iluminando bem o presente. E faz com que a gente evite", finaliza.


