As impressões digitais radioativas de Marie Curie encontradas em laboratório

Aventuras Na História






Nos laboratórios improvisados de Paris do fim do século 19, uma jovem cientista polonesa iniciava um trabalho que mudaria a história da ciência.
Naquela época, Marie Curie, então aluna de doutorado, começou a investigar os estranhos raios emitidos pelo urânio — fenômeno já observado pelo físico Henri Becquerel, que notara sua capacidade de emitir luz e tornar o ar condutor de eletricidade. Curie chamou esses raios peculiares de radioatividade —, termo que seria utilizado até os dias de hoje.
Ao medir a intensidade da radiação em diversos minérios, Marie percebeu algo surpreendente: alguns eram muito mais radioativos do que o urânio ou o tório, os únicos elementos conhecidos por emitirem radiação até então.
A única explicação era a presença de uma substância desconhecida — algo novo e intensamente radioativo. Para encontrá-lo, a química decidiu isolar o elemento misterioso a partir da pechblenda, um minério de urânio.
Local inadequado
Sem um laboratório adequado, ela e seu marido, Pierre Curie, trabalharam em um depósito e, mais tarde, num galpão precário da universidade. O local era mal ventilado, sem exaustores ou proteção contra os vapores químicos e a radiação.
Ali, trituraram toneladas de minério, dissolveram o pó em ácidos corrosivos e refinaram os cristais resultantes em um processo manual, lento e altamente perigoso. Era um ambiente impregnado de vapores tóxicos, poeira radioativa e compostos químicos hoje proibidos em laboratórios modernos.

Segundo a BBC News Brasil, foi nesse cenário insalubre que os Curie, em 1898, anunciaram a descoberta do polônio, em homenagem à terra natal de Marie, e pouco depois do rádio, elemento que brilhava no escuro e emitia calor.
"Não havia exaustores para recolher os gases venenosos liberados em nossos tratamentos químicos. No entanto, foi nesse velho e miserável galpão que passamos os melhores e mais felizes anos de nossa vida, dedicando dias inteiros ao nosso trabalho", escreveu a polonesa.
Contaminação
O entusiasmo, no entanto, vinha acompanhado de um preço invisível. Os sais de rádio e os materiais manipulados pelos Curie contaminavam tudo ao redor: ar, roupas, móveis, pele.
Marie relatava que suas mãos estavam cheias de calos e queimaduras, efeitos diretos da exposição ao material radioativo. Pierre, por sua vez, aplicava sais de rádio na própria pele para estudar os efeitos.
A lesões avermelhadas, semelhantes a queimaduras, eram vistas com curiosidade científica — e até com otimismo: imaginava-se que aquela energia pudesse auxiliar no tratamento de tumores, o que de fato viria a se concretizar em terapias contra o câncer.
As condições de trabalho seriam impensáveis hoje. "Se Marie Curie fosse uma estudante de doutorado hoje, ela teria, antes de tudo, que solicitar uma série de autorizações para trabalhar com esses materiais radioativos", disse o físico Roland Ammerich, que avaliou a segurança do antigo laboratório dos Curie transformado em museu.
Segundo o pesquisador, "ela só poderia fazer sua pesquisa em um laboratório autorizado, com toda a segurança necessária e equipamentos de ventilação. Certamente, ela não manusearia esses materiais em uma mesa ou na bancada de um laboratório, ela usaria um glove box, um equipamento selado com materiais radioativos dentro."

Impressões radioativas
A fonte destaca que a estrutura original do depósito já não existe mais — foi demolida. O laboratório em exposição é o local onde Marie Curie trabalhou depois disso. Lá, cadeiras, maçanetas, prateleiras e utensílios carregam vestígios da radioatividade deixada pelas mãos da cientista.
Em uma inspeção recente, contaminantes superficiais foram removidos, mas a radiação impregnada na madeira e nos metais permanece. Não é suficiente para causar danos atualmente, mas é suficiente para contar uma história.
"Esses vestígios históricos de radioatividade são muito importantes porque mostram as condições de trabalho de Marie Curie naquela época. Eles devem ser preservados a todo custo", diz o museólogo Thomas Beaufils, da Universidade de Lille.
Não há outro lugar no mundo onde a radioatividade tenha sido espalhada por um laboratório e por um escritório pela própria Marie Curie. Isso tem um valor patrimonial enorme", considerou.
Durante anos, diversos objetos contaminados do laboratório foram descartados. Na década de 1980, a política era substituir tudo que não pudesse ser descontaminado por réplicas. Mas hoje, muitos desses vestígios radioativos são preservados como patrimônio.
A fascinação dos Curie pelo rádio era quase poética. À noite, voltavam ao laboratório para observar os frascos que reluziam. "Pareciam luzes de fadas", escreveu, certa vez, Marie. Eles estavam deslumbrados — e, na época, não compreendiam os perigos a que estavam se expondo.
O legado dos Curie também carrega uma face trágica. Desde os primeiros experimentos com o rádio no galpão improvisado, Pierre já notava um crescente mal-estar físico. Marie, por sua vez, enfrentava uma fadiga persistente e sem explicação.
A cientista faleceu décadas depois, em 1934, vítima de leucemia. A hipótese mais provável é que a causa tenha sido sua intensa exposição aos raios-x durante a Primeira Guerra Mundial, quando trabalhou na linha de frente com equipamentos rudimentares de radiografia — um tipo de radiação hoje reconhecido por elevar significativamente o risco de desenvolver a doença.
Marie Curie foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel — e a única pessoa a receber dois, em Física e Química.


