De casca de laranja a pinho: os cheiros peculiares das múmias egípcias

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Um estudo científico divulgado em fevereiro deste ano revelou um aspecto pouco explorado da antiguidade: os aromas das múmias egípcias.
Determinados a "farejar o passado", pesquisadores de várias partes do mundo analisaram nove corpos preservados no Museu Egípcio do Cairo. Os resultados foram publicados no Journal of the American Chemical Society.
Foi uma experiência muito especial — realmente incrível", conta Emma Paolin, química da Universidade de Ljubljana, na Eslovênia, e primeira autora da pesquisa.
De acordo com a revista Smithsonian, essa é a primeira análise sistemática dos odores de múmias egípcias de diferentes períodos históricos, indo desde o Novo Império — auge da técnica de mumificação, por volta do segundo milênio a.C. — até os séculos 3 e 4 d.C., quando a prática já estava em declínio sob o domínio romano.
Segundo Matija Strlič, também da Universidade de Ljubljana e líder da pesquisa ao lado de Ali Abdelhalim, diretor do museu egípcio e arqueólogo da Universidade Ain Shams, os odores fornecem informações sobre as histórias das múmias em questão, como quando foram preparadas e até mesmo os tratamentos de conservação aos quais foram submetidas.
A inspiração para esse tipo inusitado de investigação surgiu anos atrás, quando Strlič teve a chance de cheirar uma múmia recém-chegada a um laboratório de conservação. "Tinha quase um cheiro cosmético — agradavelmente doce e herbáceo", relembra.
"Eu tinha ouvido anedotas de conservadores que diziam que muitas múmias têm um cheiro agradável e doce, se estiverem em bom estado de conservação, ou rançosas, se estiverem se deteriorando. Mas esta foi a primeira vez que experimentei isso sozinho", prosseguiu.
Nova corrente
A ideia ganhou fôlego com uma nova corrente de pesquisas voltadas para a história dos odores — uma tentativa de recuperar parte da experiência sensorial das culturas antigas.
"Sabemos por fontes literárias do antigo Egito que um bom cheiro era algo extremamente importante para essa cultura — e uma múmia cheirosa especialmente", explica o arqueólogo Philipp Stockhammer, da Universidade Ludwig Maximilian de Munique.

A mumificação, afinal, era mais que conservação: era um ritual sagrado. Por milênios, as elites egípcias foram preparadas para a eternidade com resinas, óleos e unguentos vindos de todos os cantos do mundo conhecido — um processo passado oralmente entre embalsamadores altamente treinados.
Os ingredientes variavam conforme a época, a posição social do falecido e os recursos disponíveis. Muitas fórmulas levavam toques personalizados, como uma homenagem à vida ou personalidade da pessoa.
Pesquisadores como Barbara Huber, do Instituto Max Planck de Geoantropologia, têm estudado os resíduos deixados por esses ingredientes em vasos e recipientes de embalsamamento.
Em 2023, ela chegou a recriar um perfume baseado em materiais de uma ama de leite do faraó Amenhotep II, exposto no Museu Moesgaard, na Dinamarca, como o "perfume da eternidade".
Método utilizado
Mas o diferencial do estudo liderado por Strlič está na coleta direta dos aromas que ainda hoje emanam das múmias. Para isso, a equipe usou um método emprestado da perfumaria: pequenos cartuchos com material polimérico foram posicionados dentro dos sarcófagos ou vitrines, aspirando suavemente o ar aromático ao redor dos corpos.
"Quando chegamos ao Cairo, os curadores do museu nos deram a possibilidade de colocar nosso dispositivo de amostragem de odores dentro do sarcófago", diz Paolin. Um dos caixões analisados pertencia a Ir-Aset-Udjat, uma nobre que teve seu descanso eternizado com inscrições que lhe garantiam comida e bebida no além.
A coleta também incluiu múmias armazenadas recentemente e outras que estavam há muito tempo em áreas de arquivo. Em alguns casos, o ar foi engarrafado e levado a painéis de avaliadores no Egito e na Europa.

Análise química
A análise química revelou dezenas de compostos, organizados em quatro categorias principais: substâncias do processo original de embalsamamento (como resinas e óleos essenciais), produtos de conservação modernos, pesticidas sintéticos usados no passado e odores provocados por degradação microbiana.
Um dos desafios foi distinguir a origem de certas moléculas. A fonte destaca que o cheiro de algumas das múmias incluía um composto chamado nonanal, que se assemelha a uma combinação de cera e casca de laranja. Esse odor pode ter resultado do processo de mumificação original ou mesmo ser um produto da biodegradação.
Enquanto isso, o aroma de pinho, vindo de uma molécula de alfa-pineno, pode indicar tanto o uso antigo de óleos essenciais quanto a aplicação moderna de pesticidas. Já o furfural, com cheiro de madeira e amêndoas, parece vir dos invólucros de linho ou dos próprios sarcófagos de madeira.
Apesar das incertezas, Strlič se diz aliviado com uma descoberta: “Ficamos muito felizes por não haver cheiros de podridão relacionados a [corpos humanos], porque isso obviamente indicaria que o ambiente de armazenamento não é muito bom."
Aplicações práticas
Além de desvendar o passado, a equipe acredita que o estudo pode ter aplicações práticas. Assim como médicos hoje tentam identificar doenças por meio do cheiro do hálito ou do corpo, conservadores podem detectar sinais precoces de deterioração nas múmias — como o cheiro de mofo, que indica atividade fúngica antes mesmo de ser visível.
E, no futuro, os visitantes poderão não apenas ver, mas também sentir o passado. A equipe trabalha na recriação dos aromas capturados, permitindo que museus no Egito e na Europa ofereçam uma experiência sensorial mais rica.
"Os odores são uma parte valiosa do patrimônio cultural", afirmou Strlič, que destacou: "queremos ser capazes de comunicar a experiência desses odores ao público."


