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O silenciamento da FEB na memória nacional
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O silenciamento da FEB na memória nacional

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Aventuras Na História
05/07/2025 15h00
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©Legião Paranaense do Expedicionário
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Neste ano de 2025 o mundo comemora 80 anos do fim da Segunda Guerra. Do lado de lá do oceano, nos locais que serviram de palco para o conflito, celebrações, homenagens e desfiles procuram manter viva a memória dos que sacrificaram suas vidas na luta contra o nazifascimo.

O Brasil, embora tenha sido o único país da América Latina a enviar tropas para lutar na Europa, pouco ou quase nada guarda na memória coletiva sobre a epopeia dos cerca de 25 mil homens da Força Expedicionária Brasileira enviados para lutar em solo italiano.

É verdade que quando as tropas brasileiras retornaram ao país, em julho de 1945, foram homenageadas no Rio e recebidas como heróis, contudo, já haviam sido desmobilizadas na Itália, onde tiveram de entregar suas armas.

Encontro anual das Associações Nacional dos Veteranos da FEB, ocorrido em 2018 no Rio de Janeiro. À frente, sentados, os veteranos de guerra. Atualmente 35 veteranos brasileiros estão vivos - Cristina Feres

Dias antes, em 11 de junho de 1945, o então ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, proibiu os homens a FEB de contar seus feitos históricos e de escrever diários. De volta ao Brasil, não puderam usar suas fardas por mais de uma semana, aparentemente como parte de um projeto intencional de silenciá-los.

Fomos como soldados e voltamos como civil", desabafa o veterano Antonio Cruchaki.

Não importa se foram convocados ou como voluntários, a sensação de desapontamento com relação à forma como os expedicionários foram tratados na volta ao Brasil é generalizada nos depoimentos de veteranos de guerra.

A guerra para quem ficou

Para o brasileiro, a Segunda Guerra foi um fator externo, limitado a episódios como a falta de farinha de trigo e de gasogênio e um certo desdém em relação à participação dos pracinhas brasileiros para as elites e classe média paulistana. Além da fila do pão, ela não interrompeu o quotidiano, não alterou a rotina da cidade nem deixou marcas físicas de destruição.

Sem mortes, sem fome e sem desemprego, o historiador Boris Fausto, à época um adolescente, lembra que "a vida quotidiana da população foi afetada pelo racionamento e pelo blecaute. Se excluirmos a ansiedade das famílias que tinham filhos na FEB, as restrições eram brincadeiras quando comparada às privações que vinham sofrendo os povos da Europa".

Os poucos parágrafos que os livros didáticos dedicam à temática refletem a pouca importância que a temática ocupa em nossa memória coletiva, resultado da sobrevivência de uma imagem que desqualifica o combatente, sem conhecer o significado da guerra. Resta no imaginário coletivo a ideia de que a guerra não era nossa e de que os pracinhas foram lutar por uma causa que era alheia aos brasileiros.

Embarque das tropas brasileiras no porto do Rio de Janeiro, em julho de 1944 - Acervo: Antonio Crichaki

Os homens da FEB tiveram de lidar com o estereótipo de terem ido à Europa passear. O próprio corresponde de guerra, Rubem Braga, fala dos questionamentos que recebia: "É verdade que a guerra para os brasileiros foi uma passeata paga pelos americanos? Aquilo lá era uma farra formidável, não era?".

A quem interessava o silenciamento?

A experiência adquirida em combate certamente foi um fator que opôs os veteranos de guerra aos oficiais de carreira que ficaram em solo nacional. As tensões entre oficiais expedicionários e não expedicionários alimentou hostilidades entre aqueles que temiam ficar para trás em suas carreiras, tanto que numa espécie de punição, miliares febianos da ativa chegaram a ser deslocados para guarnições distantes.

Até mesmo comemorações da campanha da FEB na Itália foram censuradas pelo Ministro da Guerra Goes Monteiro (1945-46), numa nítida manifestação de temor por uma possível infiltração comunista no Exército.

Monumento aos Mortos na Segunda Guerra Mundial em São Paulo - Jambock
Fachada do prédio do veterano de guerra Antonio Cruchaki - Cristina Feres.
Fila do pão em São Paulo - Memórias Paulistanas
Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, Rio de Janeiro - Nicolas Prevost

Na avaliação do historiador Francisco Ferraz, "nem o aparelho de Estado, nem as elites, nem a população civil viam o combatente como um cidadão em armas pela nação".

Pauta sequestrada

Na década de 60 surgiu na capital paulista a Operação Pracinha, promovida pela Associação de Ex-Combatentes que visava reunir fundos de assistência aos veteranos da FEB com dificuldades financeiras e suas famílias.

A iniciativa, que contou com o apoio do empresário Antonio Ermírio de Moraes e seria oficialmente lançada pelo presidente Jânio Quadros, acabou sendo abortada ante a renúncia deste e a crise que o sucedeu.

Neste momento as Forças Armadas, em especial o Exército, começaram a se aproximar das Associações e se tornaram os principais agentes de interlocução dos ex-combatentes, que aos poucos foram sendo esquecidos pela sociedade.

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Capa do livro 'A Dupla Face da Guerra' de Cristina Pellegrino Feres

Com a chegada do governo militar ao poder, as solenidades de lembrança da guerra foram deslocadas das ruas e praças públicas para os quartéis, fazendo da campanha da FEB uma página da história militar.

Os veteranos de guerra enxergavam as celebrações entre as corporações militares como uma oportunidade de terem seus feitos históricos reconhecidos, mas, como resultado, foram demonizados pela sociedade como parte integrante do regime implantado em 1964.

O processo de esquecimento dos expedicionários na memória histórico e social do Brasil está ligado à desvalorização destes como agentes históricos, mas que encontrou nas associações de ex-combatentes, com seus familiares e simpatizantes do tema, uma forma de resistência.

Incumbidas da organização de encontros e eventos para celebrar os feitos da FEB em solo estrangeiro (o próximo acontecerá em outubro na cidade do Rio de Janeiro), lutam para manter viva a memória deste episódio, enquanto o mesmo passa ao cabo da memória histórica nacional.


*Cristina Pellegrino Feres é historiadora e autora dos livros 'A dupla face da guerra: a FEB pelo olhar de um prisioneiro' (Leer/Intermeios Cultural) e 'Herdeiros da Fundação: lavoro e famiglia em São Caetano' (Hucitec).


Bibliografia

BRAGA, Rubem. “Um livro honesto”, prefácio, SILVEIRA, Joel e MITKE, Tassilo. A luta dos pracinhas: A FEB 50 anos depois. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1983.

CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Geração Editorial/EDUSP, 2000.

FAUSTO, Boris. Lembranças da guerra na periferia. Revista USP (26): 14-19, junho -agosto 1995.

FERRAZ, Francisco Cesar. A guerra que não acabou: a reintegração social dos veteranos da força expedicionária brasileira (1945-2000). Londrina: Eduel, 2012.

PRIORE, Mary del. História da gente brasileira. Vol. 3 República – Memórias (1889-1950). Rio de Janeiro: Le Ya, 2017.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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