Vasily Ignatenko: Os trágicos momentos finais do bombeiro de Chernobyl

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Em 26 de abril de 1986, há exatos 39 anos, a história mudou para sempre com o desastre na Usina Nuclear de Chernobyl, na antiga União Soviética. A explosão ocorreu durante um teste de segurança no Reator 4, que pretendia verificar a capacidade de suprimento de energia em caso de corte repentino de eletricidade.
O experimento saiu do planejado quando as hastes de controle, projetadas para frear a reação nuclear, provocaram exatamente o efeito oposto. Por causa de seu design com pontas de grafite, a inserção dessas hastes aumentou rapidamente a fissão dentro do reator, gerando uma explosão de vapor que lançou a tampa superior da estrutura pelos ares.
O que se seguiu foi uma catástrofe sem precedentes: incêndios de grafite ao ar livre, liberação massiva de material radioativo e contaminação de grandes áreas da Ucrânia, Bielorrússia, Rússia e até regiões da Europa Ocidental. Por duas semanas, as chamas no núcleo do reator continuaram expelindo radiação, transformando vastos territórios em zonas tóxicas.
Até hoje, o número de mortes é alvo de disputa: enquanto a ONU aponta cerca de 4.000 vítimas, outras estimativas falam em centenas de milhares. Crianças continuam nascendo com malformações causadas pela radiação. E a área ao redor da usina, a Zona de Exclusão de Chernobyl, permanece praticamente desabitada por humanos.
Logo após a explosão, os primeiros a responder foram os bombeiros e trabalhadores da usina. Muitos não sabiam que estavam entrando num cenário de contaminação letal. Entre eles, estava Vasily Ignatenko.
Vasily Ignatenko
Nascido em 13 de março de 1961, em Spiaryžža, na Bielorrússia, Vasily Ignatenko era um bombeiro da Brigada Paramilitar nº 6, baseada em Pripyat, cidade construída para abrigar os trabalhadores da usina.
Na noite do acidente, ele estava de serviço. O chamado chegou às 1h29, apenas minutos após a explosão, e Vasily foi um dos primeiros nove bombeiros destacados para a usina, localizada a apenas quatro quilômetros de distância.

Ao chegar, foi designado para combater focos de incêndio no telhado do prédio de ventilação e no bloco 3, que ficava ao lado do reator destruído. Fragmentos superaquecidos de grafite, zircônio e outros materiais haviam provocado diversos pequenos incêndios.
Segundo informações da BBC News Russian, saindo a escada externa do bloco 3, Vasily e seus colegas — Vladimir Tishura, Nikolai Titenok e Nikolai Vashchuck — subiram os 20 andares até o topo, liderados pelos tenentes Viktor Kibenok e Volodymyr Pravyk. Como os encanamentos internos haviam sido destruídos, a equipe precisou improvisar, puxando mangueiras até o alto do prédio.
O que os esperava lá em cima era um campo radioativo. Eles inalavam fumaça contaminada e pisavam em pedaços do núcleo do reator. Em pouco tempo, começaram a apresentar sintomas graves de síndrome aguda da radiação.
Vômitos, fraqueza extrema e colapso físico os forçaram a descer com dificuldade, ajudando-se mutuamente. Vasily foi levado às pressas ao hospital de Pripyat por volta das 2h35 da manhã.
Morte
Inicialmente atendido em Pripyat, foi transferido para Moscou junto a outros contaminados, e internado no Hospital nº 6, especializado em tratamento radiológico. Em 2 de maio, passou por um transplante de medula óssea, doado por sua irmã mais velha. A irmã mais nova, Natasha, de 13 anos, havia sido considerada a doadora ideal, mas recusou o uso da medula dela temendo pelos riscos à sua saúde, informou a BBC.
O transplante falhou. Com o sistema imunológico destruído pela radiação, Vasily desenvolveu infecções severas, necrose da pele e falência orgânica. Ficou impossibilitado de andar e, em 13 de maio, morreu às 11h20 da manhã. Tinha 25 anos. Dois dias depois, foi enterrado com honras militares no Cemitério Mitinskoe, em Moscou, em dois caixões: um interno de zinco e um externo de madeira. Seu corpo ainda era radioativo.
Sua esposa, Lyudmilla, acompanhou toda a internação. No livro “Vozes de Chernobyl”, de Svetlana Alexievich, que compilou relatos de testemunhas do acidente nuclear, ela contou que os momentos finais do marido foram traumatizantes.

Lyudmilla afirmou que ele teve sua aparência deteriorada e sangue saindo por ferimentos a todo o momento. Em suas próprias palavras, o descreveu como "um monstro de sangue".
Um lençol fino em cima dele. Eu trocava aquele lençol todo dia, e todo dia à noite ele estava coberto de sangue. Eu o pego, e há pedaços de sua pele na minha mão, eles grudam nas minhas mãos. Qualquer pequena ruga, já era uma ferida nele. Eu cortei minhas unhas até sangrarem, para não cortá-lo acidentalmente. Nenhuma das enfermeiras conseguia se aproximar dele; se precisassem de alguma coisa, me chamavam".
Segundo o livro, ela estava grávida na época e se recusou a se afastar do marido. Após o falecimento de Vasily, perdeu a filha recém-nascida, Natasha, que nasceu com graves malformações e morreu pouco depois.
As causas são debatidas até hoje. Enquanto Lyudmilla acreditava que a radiação do marido foi transmitida a ela, médicos afirmam que, após o banho e a troca de roupas, os pacientes de Chernobyl não representavam risco de contágio.
Legado
Vasily recebeu postumamente a Ordem da Bandeira Vermelha da URSS e, em 2006, o título de Herói da Ucrânia — a mais alta condecoração do país — além da Ordem da Coragem. Seu nome batiza ruas em Minsk e Berezino. Há monumentos em sua memória em Brahin (onde também existe uma exposição permanente sobre ele) e em Berezino.
A minissérie Chernobyl, lançada pela HBO em 2019 e criada por Craig Mazin, dramatiza o desastre nuclear de 1986, destacando o impacto humano da tragédia. Vasily, interpretado por Adam Nagaitis, é apresentado como um dos primeiros bombeiros a responder ao incêndio na usina.
Sua esposa grávida, Lyudmilla, vivida por Jessie Buckley, desobedece ordens médicas para permanecer ao lado do marido durante sua internação. A série, embora tenha tomado algumas liberdades criativas, baseia-se em relatos reais, incluindo a obra de Svetlana Alexievich, para retratar o sacrifício de indivíduos como o dele.
Em uma entrevista à BBC em 2020, a viúva alegou que nunca foi procurada para que sua história fosse compartilhada na minissérie. Ela relatou ter sofrido constantes abusos após a exibição do programa: "Havia pessoas me perseguindo no meu apartamento. Chegou ao ponto em que os jornalistas batiam a porta com o pé e tentavam gravar entrevistas comigo", afirmou.
Lyudmilla contou que muitas pessoas a culpavam pela morte de seu bebê, questionando sua decisão de estar ao lado do marido enquanto grávida. "Ficavam perguntando por que eu estava ao lado do meu marido, sabendo que estava grávida na época. Mas me diga, como eu poderia deixá-lo? Eu pensei que meu bebê estivesse seguro dentro de mim. Não sabíamos nada sobre radiação naquele momento", disse.
Ela também revelou que recebeu uma ligação após a gravação da série, na qual lhe ofereceram US$ 3 mil (cerca de R$ 16 mil, na cotação atual). "Quando perguntei o motivo do pagamento, disseram: 'Por você existir'. Fiquei pensando que era algum tipo de fraude", contou Lyudmilla.
A HBO e a Sky, responsáveis pela produção da série, negaram as acusações, afirmando que entraram em contato com a viúva várias vezes durante o processo.
"Lyudmila teve a oportunidade de participar do processo criativo e fornecer feedback. Em nenhum momento durante essas trocas, ela expressou que não queria que sua história ou a de seu marido, Vasily, fossem incluídas. Os cineastas fizeram todos os esforços para representar sua história e a de todos os afetados por essa tragédia, com autenticidade e respeito", disseram os produtores em comunicado divulgado na época.
Sobre Chernobyl
O desastre de Chernobyl ocorreu em 26 de abril de 1986, quando um teste de segurança falhou na Usina Nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, então parte da União Soviética. Uma explosão no reator número 4 liberou grandes quantidades de radiação no ambiente, afetando áreas da Ucrânia, Bielorrússia e Rússia. Chernobyl é considerado o pior acidente nuclear da história em termos de impacto ambiental e humano.


