Seres humanos e Golden Retrievers compartilham alguns genes de comportamento, diz estudo
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A convivência entre humanos e cães acompanha praticamente toda a nossa história. Ao longo de milhares de anos, nossas rotinas, sensibilidades e até emoções foram sendo moldadas lado a lado – a ponto de muitos cientistas considerarem essa relação um processo de coevolução. Agora, uma nova pesquisa liderada por Cambridge aprofunda essa ligação e revela algo surpreendente: golden retrievers e humanos compartilham raízes genéticas relacionadas ao comportamento e à saúde emocional.
O estudo analisou o DNA e os traços comportamentais de mais de 1.300 golden retrievers adultos e comparou os resultados com dados humanos de larga escala. A conclusão foi que pelo menos 12 genes parecem funcionar de forma semelhante nas duas espécies, influenciando características como ansiedade, sociabilidade, treinabilidade e até respostas emocionais complexas.
Uma relação construída ao longo dos séculos
Desde seus ancestrais lobos até os cães modernos, os caninos desenvolveram adaptações que favoreceram a convivência estreita com pessoas. A habilidade de seguir gestos humanos, interpretar emoções e criar vínculos afetivos fez com que se tornassem parceiros ideais, muitas vezes compreendendo sinais sociais melhor do que nossos próprios primos evolutivos, como os chimpanzés.
Essa sintonia emocional, porém, tem outro lado. Cães também parecem refletir o ritmo acelerado e estressante da vida moderna, com taxas crescentes de ansiedade e hiperreatividade em países como os Estados Unidos. Isso fez pesquisadores levantarem uma pergunta provocativa: será que compartilhamos também algumas bases biológicas dos problemas de saúde mental?
Genética, emoções e comportamento
A pesquisa, publicada na PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), é a mais detalhada já realizada com a raça golden retriever. Além das análises genéticas, os tutores responderam ao questionário C-BARQ, uma ferramenta internacional que avalia 73 comportamentos, de medo a agressividade, de facilidade de treinamento a níveis de energia. Os resultados mostraram paralelos impressionantes entre cães e humanos:
- Genes ligados ao medo do desconhecido nos cães correspondiam, em pessoas, a características associadas à depressão e retraimento social;
- Regiões ligadas à agressividade canina também apareciam em humanos relacionadas à inteligência e vulnerabilidade emocional;
- Genes associados à treinabilidade se conectavam, em humanos, tanto a funções cognitivas quanto à sensibilidade ao erro – uma forma de consciência emocional.
A equipe buscou interpretações que pudessem explicar essas conexões. E, ao cruzar dados biológicos com comportamentos observados, encontrou um fio evolutivo que parece unir as espécies.
Quando o gene se expressa em emoções
Alguns exemplos chamam atenção. O gene ADD2 estava associado ao medo de estranhos nos cães, enquanto em humanos aparecia ligado à depressão. Para os pesquisadores, isso sugere que o mesmo mecanismo biológico pode se manifestar como retraimento social (um traço típico da depressão) em pessoas, e como ansiedade diante de desconhecidos em cães, que são naturalmente muito sociáveis.
Outro gene, o ROMO1, aparecia relacionado à treinabilidade nos goldens e à inteligência emocional em humanos. Isso indica que um cão mais responsivo ao aprendizado pode não ser apenas “obediente”, mas também mais sensível emocionalmente. Assim, reage de forma mais intensa a erros ou experiências desagradáveis.
Cães como modelos naturais para estudar saúde mental
Para o primeiro autor do estudo, Enoch Alex: “Esses resultados mostram que a genética governa o comportamento, tornando alguns cães predispostos a achar o mundo estressante. Se suas experiências de vida reforçam isso, eles podem agir de maneiras que interpretamos como mau comportamento, quando na verdade estão angustiados.”
Essa perspectiva muda a forma como vemos nossos animais. Em vez de pensar que certos comportamentos são “birras” ou “teimosia”, passa a ser mais lógico interpretá-los como expressões emocionais legítimas, moldadas por uma mistura de genética, ambiente e experiências.
E mais: entender essas semelhanças biológicas pode ajudar tanto cães quanto humanos. Se algumas formas de ansiedade, reatividade ou dificuldade de adaptação têm raízes comuns, abre-se uma porta para estudos comparativos e até para tratamentos integrados, sempre sob supervisão veterinária.
O que isso muda na convivência com nossos cães?
Essa pesquisa não sugere que cães tenham consciência idêntica à humana, pois seus processos mentais são diferentes. Porém, reforça que eles têm emoções complexas; podem sofrer com estresse de forma semelhante à nossa; e carregam predisposições genéticas que influenciam sua forma de viver o mundo. Por isso, o ambiente, a criação, as experiências positivas, o treinamento gentil e a rotina estruturada continuam sendo fatores decisivos para o bem-estar.
Entender essa interseção genética é, ao mesmo tempo, ciência e afeto: mostra que nossas histórias evolutivas estão mais entrelaçadas do que imaginávamos. Talvez seja por isso que, quando um golden nos olha nos olhos, a conexão parece tão profunda – e tão humana.
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