Conclave: O trabalho de espionagem no processo de escolha do papa

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O Conclave começou nesta quarta-feira, 7, semanas após da morte do papa Francisco. Até a escolha do novo líder da Igreja Católica, grande parte dos olhos do mundo estarão virados para o Vaticano.
O fascínio pelo processo se explica por alguns fatores: a 'raridade' da votação, o mistério em torno do Conclave, ou até mesmo por todo o drama e importância da escolha. Isso sem mencionar o sigilo que rege a eleição. Assim, o Conclave é, por natureza, uma mistura de rumores, intrigas e desinformação.
Apesar desses sigilo, algumas mecânicas básicas todos já conhecem, principalmente pelo filme Conclave (2024), que mostrou os 'bastidores' do processo. No longa, vemos cardeais se reunindo de maneira informal nos corredores, durante as refeições ou em seus aposentos.

O objetivo é simples: os cardeais terão que formar alianças para conseguir os 75% dos votos necessários para eleger um novo papa. Sendo assim, se uma coalizão fracassar, seus membros podem apoiar outro candidato em bloco ou espalhar seus votos em diferentes candidatos.
Espiões no Conclave
Mas não significa que ninguém saber o que está acontecendo em um conclave quer realmente dizer que ninguém está tentando descobrir informações. Afinal, em algumas eleições passados, espiões estiveram de olho na dinâmica tanto antes quanto durante o processo de escolha de um novo papa.
E não foi só isso, eles também conseguiram obter informações valiosas sobre os candidatos mais prováveis e seu apoio — o que pode oferecer aos governos uma ideia dos rumos que a Igreja Católica irá seguir.
Afinal, o Vaticano é uma importante potência mundial. Visto que o papa governa um microestado soberano e, ao mesmo tempo, uma das maiores comunidades religiosas do mundo, com cerca de 1,3 bilhão de membros.
Se existem pessoas que buscam informações sobre a escolha do novo papa, o serviço de segurança do Vaticano certamente trabalha para evitar vazamentos. Mas nenhum sistema é infalível.
Em teoria, um conclave é uma eleição secreta: como os cardeais se reunindo em locais fechados, sem assistentes ou qualquer meio de comunicação com o mundo exterior. O processo é tão sigiloso que, desde 1800, as cédulas de votação, bem como quaisquer anotações feitas durante a assembleia, são queimadas.
Mas conforme recorda matéria da revista Time, durante a primeira metade do século 20, as potências europeias comumente atuavam para influenciar as votações dos conclaves por meio de seus prelados e embaixadores.
Em troca, os candidatos que tinham maior potencial político buscavam apoio de governos de todo o espectro ideológico. No conclave de 1939, por exemplo, os cardeais elegeram Eugenio Pacelli com facilidade, mesmo com toda tensão na Europa pré-Segunda Guerra Mundial.
A Time aponta que Pacelli, ou melhor, o papa Pio XII, representava um pouco de cada uma das nações de poder: era italiano e falava alemão. Além disso, havia negociado concordatas com a Itália e a Alemanha, abstendo-se de condenar qualquer um dos regimes.

Por ser um ferrenho anticomunista, também se tornou muito querido por seu antecessor, o papa Pio XI; o que também lhe permitiu conquistar a confiança dos britânicos e franceses.
Da Guerra Fria ao papa Francisco
Os quatro conclaves seguintes ocorreram em outro momento frágil de nossa história: a Guerra Fria. Assim, a luta global entre norte-americanos e soviéticos também teve os olhos voltados ao Vaticano.
Com isso, agentes de inteligência de ambas as nações se esforçavam para manter seus respectivos governos informados sobre o que poderia acontecer e qual seria a postura diplomática do novo Papa.
Após a morte de João Paulo XXIII, em junho de 1963, a Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) enviou um memorando ao presidente John F. Kennedy apontando os cenários possíveis para a escolha do novo papa.
O memorando descrevia que o Conclave daquele ano era ainda mais difícil do que o habitual de se prever o resultado, visto que o colégio cardinalício havia crescido de 55 membros em 1958, a última vez que um conclave havia ocorrido, para 82.
Além disso, muitos dos cardeais eram novos em suas funções, o que dificultava a ideologia que eles seguiam. Em 1958, a CIA explicou que os religiosos se dividiram em três grupos principais: "Liberal, Conservador ou Moderado". O memorando observava ainda que João XXIII havia nomeado 44 cardeais, alguns dos quais estavam "longe de pertencer ao grupo Liberal".
Por fim, o documento concluiu que o cardeal Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini, definido como "um dos liberais fortemente comprometidos", entraria no conclave "como o favorito das massas". A agência estava certa. Montini foi eleito e se tornou o Papa Paulo VI.
Conforme descreve a Time, o memorando ainda apontou que seria "improvável" que os cardeais escolhessem um papa não italiano. A CIA também descartou os candidatos mais velhos que João XXIII, seu antecessor. Restando apenas 13 possíveis nomes. Destes, vários pareciam candidatos improváveis porque, na avaliação da agência de inteligência, "eles são conhecidos como oponentes ferrenhos das políticas do Papa João".
Muito por conta da capacidade das agências de espionagem de conseguirem prever a escolha do próximo papa, quando Paulo VI morreu, 15 anos depois, o Camerlengo — o cardeal encarregado de organizar a transição — se mostrou determinado a impedir que informações sigilosas do Conclave vazassem para o mundo exterior. Assim, pediu ao diretor da Vigilanza (o serviço de segurança interna do Vaticano) que garantisse a ausência de microfones no local de votação.
No livro 'Pontífice', Gordon Thomas e Max Morgan-Witts apontam que a Vigilanza descobriu que, apesar da cautela, jornalistas empreendedores da Rádio Vaticano, ávidos por um furo de reportagem internacional, arquitetaram um plano audacioso: colocaram um pequeno transmissor, em forma de botão de camisa, nas roupas de um funcionário do conclave. O dispositivo não captava vozes, mas era capaz de enviar sinais, como o Código Morse. Assim, um assistente deveria bater três vezes quando o Papa fosse escolhido.
O esquema foi frustrado com sucesso, fazendo com que o Vaticano aumentasse seu processo de vigilância, passando a procurar transmissores de rádio ou microfones durante os quatro conclaves subsequentes, em agosto e outubro de 1978, 2005 e 2013.
Os esforços garantiram sigilo nos três primeiros conclaves, mas em 2013, na eleição de Bento XVI, o Vaticano se tornou vítima das "orelhas grandes" da Agência de Segurança Nacional dos EUA.

Naquele ano, segundo o semanário italiano Panorama, cardeais e até o próprio Joseph Ratzinger haviam sido grampeados. O governo norte-americano, por sua vez, negou formalmente todas as acusações de espionagem. Um porta-voz do Vaticano também disse aos jornalistas que não estava preocupado com nenhum relato de espionagem.
Porém, a revista Panorama garantiu que a National Security Agency (NSA) gravou conversas telefônicas dos prelados nos dias que antecederam o conclave, oferecendo um panorama do que poderia acontecer antes da primeira votação.
Eles haviam dado atenção especial a um homem que se tornaria líder da Igreja Católica: Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, que vinha sendo alvo das agências de inteligência dos EUA desde 2005, conforme relatos do Wikileaks.


