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Habemus Papam: Entenda a origem e como funciona o conclave
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Habemus Papam: Entenda a origem e como funciona o conclave

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Aventuras Na História
26/04/2025 15h00
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"Eu te darei as chaves do Reino dos Céus; o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus" (Mateus, 16:19). O versículo da Bíblia destaca o momento em que Jesus Cristo confia ao apóstolo Pedro a missão de liderar os seus discípulos dali em diante.

Mais do que um ato simbólico, Jesus, na interpretação dos Evangelhos, delegava a Pedro a missão de comandar a sua igreja, tornando-se, assim, o primeiro papa da Igreja Católica.

Pedro torneou a pedra fundamental da Igreja Católica Apostólica Romana, que, ao longo dos séculos, se tornaria a maior e a mais poderosa instituição religiosa do planeta e Estado independente, além de congregar o maior número de seguidores e fiéis, nas mais diversas nações, em todos os continentes.

O primeiro papado fincou as bases para a Igreja que, em muitos períodos da humanidade, tornou-se sinônimo do próprio Estado, muitas vezes desafiando poderes de reis e rainhas.

Em 1929, houve a criação do próprio Estado independente, o Vaticano, após acordo com o ditador italiano Benito Mussolini, selado por meio do Tratado de Latrão, com o papa como líder máximo da menor nação do mundo, em extensão territorial.

É compreensível, portanto, que a escolha dos sucessores de Pedro envolva um processo complexo, cheio de simbolismos e repleto de regras canônicas que sofreram diversas alterações ao longo da História.

Francisco, o último papa - Getty Images

Tudo para manter a unidade, a fé e a solidez da instituição, seguindo as palavras de Jesus ao sucessor apostólico: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja" (Mateus, 16:15-18). Nem sempre, porém, o processo foi organizado como nos dias de hoje.

Sucessão papal

Papa vem do italiano papa, que significa papai. Pedro, de acordo com as Escrituras, designou seus sucessores, que seriam Lino, Anacleto e Clemente. "A ideia é que o papa é um pai espiritual da família católica que, em certo sentido, inclui todo o bilhão de membros da Igreja Católica Romana no mundo inteiro", explica o jornalista John L. Allen Jr. no livro 'Conclave' (Editora Record), que aborda como ocorreu a escolha dos papas ao longo da História.

Até o século 11, a Igreja escolhia seus líderes das mais diversas maneiras, inclusive por indicações e votações. "Nos primeiros séculos do cristianismo, a eleição era realizada de forma mais aberta, com participação do clero local e, em alguns casos, até dos fiéis da comunidade romana", explica o filósofo Hugo Brandão, doutor em Ciências da Religião e professor de filosofia no Instituto Federal de Alagoas (Ifal).

No entanto, conforme a Igreja cresceu e sua estrutura se tornou mais complexa, a necessidade de garantir estabilidade e evitar interferências externas levou à centralização do processo", complementa o especialista no tema.

Pela tradição, o papa também é o bispo de Roma, onde Pedro fincou as bases do catolicismo. "Em termos gerais, os bispos em Roma, durante muitos séculos, foram escolhidos como todos os outros bispos, pelo clero e pelo povo da diocese", conta Allen Jr. Apesar do espírito democrático, o sistema desencadeava lutas políticas e paralisava as atividades eclesiásticas.

"Às vezes, as discussões sobre a sucessão papal transbordavam em violência pelas ruas. Ricas famílias nobres de Roma exerciam forte influência, assim como os imperadores bizantinos", escreve o jornalista.

A influência e o poder da Igreja também mobilizavam famílias e grupos de nobres, que transbordavam a questão religiosa e transformavam a sucessão em uma disputa política pura e simples.

A manipulação era tão grande que um aristocrata italiano, Sergio di Caere, chegou a ser eleito duas vezes, no século 10. Na Idade Média, papas eleitos eram assassinados e não era raro o cargo passar de pai para filho, conforme a importância do clã dominante no clero.

A situação só começou a ter alguma ordem a partir de 1059. Naquele ano, o papa Nicolau II emitiu a bula Nomine Domini, que reduzia poder dos aristocratas e estabelecia que apenas integrantes do clero participariam das eleições papais, inclusive no processo de votação.

Nicolau II - Domínio Público

A Nomine Domini foi sendo aperfeiçoada até que, em 1179, Alexandre III estabeleceu que a eleição papal era uma prerrogativa exclusiva dos cardeais. As regras também estabeleciam que o eleito necessitava de dois terços dos votos obtidos no Colégio de Cardeais.

Mesmo assim, era difícil o consenso em torno da escolha do novo líder católico, após a morte do titular. As eleições podiam durar meses e até anos, sem que os cardeais chegassem a um acordo.

Em 1271, cristãos impacientes com a demora de mais de três anos para a escolha do sucessor de Clemente IV, ocorrida em 1268, trancaram os cardeais dentro do Palácio de Viterbo, próximo a Roma e que durante muito tempo serviu como residência dos papas.

Os religiosos eram alimentados apenas com pão, água e um pouco de vinho, até que decidissem quem seria o futuro papa. Como nem assim chegavam a um acordo, o teto do palácio foi retirado parcialmente, deixando todos à mercê das intempéries do clima.

Do confinamento à força ocorrido no "Conclave de Viterbo" surgiu a palavra "conclave", que deriva do latim "com chave", dando origem ao nome da cerimônia. O termo foi usado pela primeira vez por Gregório X, eleito em Viterbo, que, em 1274, estabeleceu oficialmente as regras para os atuais conclaves

Ciente da demora ocorrida durante a sua própria escolha, o objetivo de Gregório X era evitar futuros conclaves excessivamente longos e que não resultassem em acordo, colocando em risco o poder e a unidade católica. Foram estabelecidos critérios rígidos, como a aclamação, quando houvesse unanimidade, e número máximo de dias de conclave e escrutínios (votações) para a eleição.

Gregório também pretendia tornar a escolha da liderança uma questão exclusiva dos clérigos. As interferências externas, porém, não cessaram, em especial quando o poder ainda não estava completamente centralizado em Roma.

Durante o período em que os papas viveram em Avinhão, na França, entre 1309 e 1377, tiveram forte influência dos reis franceses", explica o historiador Ivan Esperança da Rocha, doutor em História Social e professor no departamento de História da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Segundo ele, durante o Grande Cisma do Ocidente (1378-1417) houve três papas diferentes, cada um apoiado por diferentes potências europeias.

"No período do Renascimento, importantes famílias influenciaram a eleição dos papas. Esta influência ocorreu até o século 19, período em que imperadores tinham direito de veto nos conclaves papais. Muitas vezes isso ocorria de forma explícita, mas também velada, criando uma aura de suspense em cada eleição papal".

Papa interino

Durante o período de vacância do cargo por conta da morte ou renúncia do papa, emerge a figura do camerlengo, uma espécie de "papa interino" responsável pela administração da Igreja até a escolha do novo titular.

O camerlengo é um cardeal auxiliar escolhido pelo papa durante a sua gestão e com grande conhecimento relativo aos assuntos pertinentes da função, desde as finanças do Vaticano até nomeações em cargos espalhados pelas dioceses do todo o mundo.

Também cabe a ele conduzir todo o funeral do papa morto e o processo de eleição do sucessor, coordenado pelo decano do Colégio de Cardeais. A função do camerlengo ganhou destaque recentemente no filme Conclave. Com direção de Edward Berger, o longa foi vencedor do Oscar 2025 na categoria melhor roteiro adaptado. E também após a morte do papa Francisco, aos 88 anos, na última segunda-feira, 21.

Cena do filme Conclave - Divulgação

A bula de Gregório X sofreu algumas adaptações posteriores, mas sem perder as diretrizes básicas no sentido de tornar a eleição o mais curta e eficiente possível. É importante frisar que alguns conclaves, ao contrário da tradição secular, foram muito curtos e objetivos. É o caso da eleição de Pio XII, em 1939, ocorrida em apenas dois dias e três votações, sendo considerada a mais rápida do século 20.

A rara unidade entre os cardeais para a escolha de Pio XII é explicada pelo contexto da Segunda Guerra Mundial, em que o Vaticano buscava alguém com forte talento diplomático para enfrentar com rigor, mas ao mesmo tempo com muita diplomacia, os anos duros que seriam enfrentados pela Europa e pelo mundo.

Na década de 1970, o pontífice Paulo VI definiu em 120 o número máximo de cardeais eleitores e a idade máxima de 80 anos a cada votante. Em 1996, João Paulo II confirmou todas as regras firmadas por seus antecessores, por meio da bula Universi Dominici Regis, que acrescentou uma alteração importante: a escolha do novo papa será apenas por meio dos escrutínios, e não mais por outros métodos, como, por exemplo, a aclamação.

O texto de João Paulo II, que é seguido até os dias atuais, também estabeleceu a Capela Sistina, no coração do Vaticano, como local oficial e único do conclave, seguindo uma tradição que vem do século 19.

No passado, as eleições papais ocorriam em diversos lugares, inclusive fora de Roma, como no caso de Viterbo. O último escrutínio fora do Vaticano havia sido em 1800, quando os cardeais se reuniram em Veneza para eleger Pio VI, que morreu prisioneiro de Napoleão Bonaparte.

Movidos pela fé

Desde então, os famosos afrescos de Michelangelo que adornam a capela que homenageia o papa Sisto IV (1471-1484) servem como fonte de inspiração aos cardeais, que devem ser movidos exclusivamente pela fé e escolher o ocupante do trono de Pedro guiados apenas pelos desígnios do Espírito Santo.

"Para a fé católica, o papa é mais do que um líder político-religioso. Trata-se do representante terreno do próprio Cristo, tendo a missão de guiar o Povo de Deus no caminho à santidade", explica o filósofo Gabriel de Vitto, professor de antropologia da Faculdade Bela Vista, de São Paulo.

Nesse sentido, ele é a figura mais importante da Igreja terrena e tudo que se relaciona a ele é de suma importância", completa.

O conclave é um processo que mistura os consagrados rituais católicos com os ritos de uma eleição comum. Conforme os mandamentos deixados pelo sumo pontífice João Paulo II na bula Universi Dominici Regis, o conclave deve ocorrer entre 15 e 20 dias após as exéquias do atual ocupante do cargo, seguindo uma tradição secular.

No passado, em que os convocados para a eleição precisavam fazer longas viagens de navio ou mesmo de carruagens, esse período era necessário para que não perdessem a votação.

Mesmo assim, não era raro que religiosos de outros continentes chegassem a Roma apenas com a eleição concluída. Hoje em dia, graças aos modernos meios de transporte em todo o mundo, isso não ocorre mais e o período de carência geralmente é dedicado a conversas entre os clérigos, ou mesmo para recompor energias, já que maior parte deles é idosa.

Em tese, todos os cardeais aptos a votar também podem ser votados. É vetado apenas votar em si. Uma das regras básicas, desde os tempos medievais, é o isolamento dos cardeais durante o conclave, para que não sofram interferências do mundo externo ao registrar o seu voto, que é secreto, por escrito em cédulas especiais, depositadas em recipientes que servem como urna. Durante os dias do escrutínio, todos ficam fechados na Capela Sistina, deixando o local apenas para dormir e durante as refeições.

Cardeais na Capela Sistina em 2005 durante conclave para eleger novo papa, que escolheu Bento XVI / Crédito: Getty Images

No primeiro dia ocorre uma votação. Caso ninguém consiga os dois terços dos votos, novos escrutínios são realizados nos dias seguintes, um de manhã e outro à tarde, até haver um vencedor. Caso não haja resultado em três dias, o quarto é dedicado apenas às orações e descanso. Caso esse ciclo de quatro dias se repita por mais sete vezes, é realizado um segundo turno entre os dois mais votados.

Nesse ponto, como em qualquer outra eleição, é impossível separar a fé da política. As longas votações conduzidas pelos escrutinadores no Vaticano revelam a existência de diferentes correntes políticas e ideológicas que disputam a direção que deverá ser seguida pela Igreja Católica nos anos seguintes. Existem, por exemplo, cardeais que representam alas mais conservadoras, que defendem a manutenção rigorosa da tradição e da doutrina.

Outros, mais alinhados aos progressistas, buscam maior adaptação da instituição aos desafios contemporâneos. "Essas diferenças ideológicas se manifestam claramente durante a eleição de um novo papa, pois o resultado determinará o tom do pontificado e as reformas que poderão ser implementadas ou barradas", explica o filósofo Hugo Brandão.

Do lado de fora da Capela Sistina, na Praça de São Pedro, no Vaticano, uma multidão de fiéis e curiosos acompanha todo o processo em um misto de apreensão, torcida e fé. As expectativas são guiadas pelos sinais de fumaça que sobem ao céu a partir do telhado da Capela Sistina e indicam se o resultado é negativo — se a fumaça for preta — ou positivo, que é quando sobe a fumaça branca.

Não se sabe ao certo quando começou a tradição da fumaça, que é resultante da queima das cédulas de votação dos cardeais. No passado, a fumaça branca era obtida pela queima dos votos com palha molhada. A preta era obtida com queima de breu. Atualmente, as cores branca ou negra são obtidas com a queima do papel e com a ajuda de produtos químicos para a coloração desejada.

Fumaça branca

Ao final da votação com resultado positivo, o escolhido com maior número de votos responde a duas perguntas do decano do Colégio de Cardeais, em meio a uma série de rituais: primeiro, se aceita a missão ao qual foi eleito e, segundo, qual nome pretende adotar.

A História registra alguns casos de novos papas que hesitaram e até declinaram do cargo. São Carlos Borromeu, por exemplo, recusou a missão no século 16. Depois deles, outros também não aceitaram, mas é uma situação bastante rara, assim como os papas que renunciam ao cargo. O caso mais recente foi Bento XVI, que renunciou em 2013, quando foi eleito o papa Francisco. Antes de Bento XVI, apenas Celestino V havia renunciado, em 1294.

Bento XVI - Getty Images

A segunda pergunta é como o escolhido pretende ser chamado, uma tradição que remonta ao ano de 533, quando um padre chamado Mercúrio foi eleito bispo de Roma.

Ele achava que Mercúrio era um nome pagão demais para um papa e, assim, adotou João II. Até então, os pontífices eram simplesmente chamados por seu nome de batismo", explica Allen Jr.

Encerradas as formalidades, começam os cumprimentos e, em seguida, o novo líder da Igreja é levado à Capela Paulina, onde vestirá pela primeira vez a batina branca. O novo papa então será conduzido até a janela central da Basílica de São Pedro, para ser apresentado e oferecer a primeira bênção aos fiéis cristãos, que provavelmente já terão ouvido a famosa frase proferida pelo cardeal diácono mais antigo e mundialmente conhecida há muitos séculos: habemus papam.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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