Infiltrado em Auschwitz: A intensa saga do combatente polonês Witold Pilecki

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Entre 1939 e 1945, o mundo viveu um dos períodos mais sombrios da história da humanidade, marcado por um grande conflito militar que matou milhões de pessoas em vários lugares do globo, em especial na Europa: a Segunda Guerra Mundial.
Nesse período, o combate era entre duas alianças militares opostas: os aliados (composto por uma coalizão entre Reino Unido, França, União Soviética e Estados Unidos) e o eixo (Alemanha, Itália e Japão), encabeçados pelo líder nazista Adolf Hitler.
E uma das maiores tragédias que marcou esse conflito foi o chamado Holocausto, Esse é o nome dado ao assassinato em massa de cerca de seis milhões de judeus pelos nazistas, no que é o maior genocídio de todo o século 20. E um dos locais que mais se destacou durante o Holocausto, como um enorme centro de morte, é o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia ocupada pelos alemães.
Inicialmente, a instalação nazista no sul da Polônia ainda era "apenas" uma prisão para criminosos alemães condenados, bem como um pequeno número de judeus e opositores aos nazistas da Polônia, incluindo membros do Exército Secreto Polonês.

E um desses membros era Witold Pilecki, um veterano de 39 anos e fervoroso nacionalista polonês que, em setembro de 1940, realizou um ato de bravura incomparável: ele se voluntariou para permitir que os nazistas o prendessem, para tentar ser levado à Auschwitz e, por dentro, colapsar o campo.
Witold Pilecki
Conforme repercute a Smithsonian Magazine, Pilecki era filho de patriotas católicos poloneses que viveram no Império Russo. Ele nasceu em 1901 e, quando adolescente, serviu como batedor para unidades de autodefesa polonesas, durante a Primeira Guerra Mundial.
Após o fim do conflito, ele começou a lutar em uma unidade de cavalaria na Guerra Polaco-Soviética — uma disputa por territórios nas atuais Ucrânia e Bielorrússia entre nacionalistas poloneses e o Exército Vermelho Soviético —, e enquanto servia como oficial da reserva, em meados da década de 1930, se casou com a professora de ensino fundamental Maria Ostrowska, com quem teve dois filhos.

Início da guerra
A vida aparentemente tranquila teve um grande revés depois que, em 1º de setembro de 1939, a máquina de guerra de Hitler invadiu a Polônia; seguidos, apenas duas semanas depois, pelos soviéticos, que atacaram ao leste. Nesse cenário, Pilecki mobilizou uma unidade reserva de homens locais que treinou durante o verão, mas, em apenas um mês, o Exército Polonês foi derrotado, e a Polônia foi tomada por nazistas e soviéticos.
Assim como milhares de soldados e civis poloneses, Pilecki se juntou a um grupo de oposição clandestino que lutou contra ocupantes nas florestas, nos esgotos e nos porões. Porém, os nazistas retaliaram com brutalidade, assassinando ou forçando os poloneses a fugir para liberar o território. Enquanto isso, os judeus poloneses tiveram um destino ainda mais específico, sendo confinados em distritos urbanos cercados, como o Gueto de Varsóvia.
Essas prisões em massa acabaram levando os nazistas a construir novos campos de prisioneiros, ou até mesmo reformar estruturas já existentes. E entre essas estruturas que recuperaram, estava o antigo quartel militar de Oswiecim, na Polônia — que, em julho de 1940, foi inaugurado como o campo de concentração de Auschwitz.
"O movimento clandestino polonês não tinha como saber o que Auschwitz se tornaria, mas tinha interesse genuíno em saber o que acontecia lá dentro", afirma o historiador e diretor do Instituto Wiesenthal de Estudos do Holocausto de Viena, Jochen Böhler. "A resistência se infiltrou astutamente em diversas instalações nazistas, incluindo o Gueto de Varsóvia, onde transmitiu informações sobre as condições desastrosas e a morte em massa dos judeus de Varsóvia".

Infiltrado em Auschwitz
Devido a uma disputa interna no Exército Secreto Polonês, um rival de Pilecki o sugeriu para a missão de se infiltrar em Auschwitz, para descobrir o que acontecia ali dentro, mas a decisão final cabia ao próprio combatente. Após refletir por duas, ele decidiu se despedir "de tudo o que até então conhecera nesta terra", conforme escreveu em cartas posteriores, como sua esposa e filhos, e entrou na missão possivelmente sem volta.
Durante uma batida policial nas ruas de Varsóvia, Pilecki foi preso em 19 de setembro de 1940. Felizmente, ele não foi executado como outros prisioneiros, graças à identidade falsa que carregava, que não o denunciava como militar, e conseguiu ser transferido para Auschwitz em apenas dois dias.
Lá dentro, ele trabalhava arduamente, tendo como uma de suas tarefas isolar o único crematório do campo até então, que eliminava os mortos do dia (com um limite de queima de 70 cadáveres em 24 horas). Em outro momento, ele também ajudou na construção de uma vila próxima ao campo, onde residiu o comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, com sua família.
Enquanto isso, como prisioneiro, ainda era tratado com brutalidade. Simplesmente por ser polonês, os detidos eram constantemente intimidados, espancados, humilhados, torturados e até fuzilados, quando não eram forçados a trabalhar. Qualquer violação de regra — como falar, fumar, mover-se devagar, andar na contramão, vadiar e saudar incorretamente um oficial da SS — poderia resultar em uma punição imprevisível.
Outro aspecto brutal sobre Auschwitz é que, para cada prisioneiro que conseguisse escapar — o que não era tarefa simples, visto que foram registradas 170 tentativas em 1942, das quais apenas uma dúzia foi bem-sucedida —, outros dez eram executados. E essa política levou Pilecki a proibir outros combatentes clandestinos em Auschwitz, que se organizavam lá dentro, de tentar escapar.

Crescimento do campo
Conforme o tempo passava, a realidade em Auschwitz ficava cada vez mais dura. Todas as manhãs, os prisioneiros faziam fila para inspeção ao lado dos cadáveres dos que morreram na noite anterior, e as autoridades alemãs solicitaram a construção de crematórios mais eficientes. Enquanto no começo Auschwitz conseguia queimar 70 cadáveres em 25 horas, em 1943 eles queimavam entre 4.000 e 8.000 por dia.
Porém, todas essas observações sobre o campo eram úteis a Pilecki. Com o tempo, conseguiu recrutar compatriotas mais confiáveis para colaborar no repasse de informações à resistência, identificando companheiros que estavam próximos da libertação — nem todos que iam para Auschwitz morriam lá —, para que repassassem relatórios à resistência em Varsóvia.
Uma vez em Varsóvia, essas informações poderiam ser encaminhadas ao governo polonês, que estava exilado em Londres, e ainda compartilhava as informações com a Grã-Bretanha e os demais Aliados.

Mensagem ignorada
Um relatório memorável foi enviado através do jovem oficial polonês Aleksander Wielopolski, que memorizou o primeiro relatório de Witold e o entregou a Varsóvia em outubro de 1940, com um relato oral sobre as condições em Auschwitz e uma planta detalhada do campo.
Um detalhe sobre este relatório é que, no fim, Pilecki concluiu afirmando que as condições em Auschwitz eram tão bárbaras, e a segurança do campo tão rigorosa, que os Aliados deveriam destruir o campo de concentração pelo ar. Mesmo que muitos prisioneiros morressem no ataque — o que ele descrevia como um "alívio", sob aquelas condições —, o caos seria a melhor alternativa para que alguns prisioneiros pudessem dominar os guardas e escapar.
No entanto, os primeiros relatos não surgiram grande efeito, visto que o Reino Unido tinha sua atenção voltada à própria sobrevivência em meio à Blitz. E Auschwitz não parava de se expandir, erguendo novos muros, quartéis, crematórios e câmaras de gás. Pilecki, por sua vez, também não parava: ele chegou a afirmar ter reunido uma força de várias centenas de homens ali dentro.
A polícia secreta de Hitler, a Gestapo, vasculhava fileiras de poloneses em busca de homens que poderiam ter se envolvido com organizações clandestinas de resistência, para que estes fossem isolados e executados. Pilecki só conseguiu escapar graças à sua identidade falsa, em nome de Tomasz Serafiński, um advogado polonês nascido em Varsóvia em 1902.
Vale mencionar que, desde o início, Pilecki e seus companheiros não tinham noção da extensão dos assassinatos realizados pelos nazistas — eles não podiam imaginar que ocorria assassinatos em escala industrial em vários lugares, com a intenção de extinguir um grupo inteiro, dos judeus —, mas eventualmente os prisioneiros poloneses entenderam a lógica de Hitler.
"Judeus de toda a Europa foram trazidos para Auschwitz", escreveu Pilecki em registros posteriores. "Os judeus, depois de alguns meses escrevendo cartas elogiando suas condições, foram repentinamente retirados de vários empregos e rapidamente mortos". A partir de março de 1942, milhares de judeus chegavam ao campo todos os dias, transportados de várias áreas da Europa, e o número de mortos diários também aumentava.

Mesmo com os vários relatórios, a piora crescente nas condições em Auschwitz e o fato de ser ignorado pelos Aliados levou Pilecki a alertar, em outro relatório, que os internos se encarregariam de tirar o melhor proveito de uma revolta, caso eles iniciassem um bombardeio. Porém, os prazos que impôs chegaram e passaram, e ele acabou se recusando a apoiar uma revolta ou fuga em massa sem essa ajuda externa, considerando que resultaria em um completo banho de sangue.
Fuga
Com a irritante recusa dos Aliados em agir, Pilecki decidiu que precisava escapar. Mesmo que sempre tivesse enfatizado que a fuga precisava trazer algo maior que a vida de apenas uma pessoa, ele sentia que precisava fazer isso antes de uma revolta inevitável estourar no campo, enquanto talvez a liderança clandestina ainda não tivesse compreendido o que acontecia ali.
Foi no início de 1943 que Pilecki e alguns de seus companheiros encontraram um meio para a fuga: uma padaria supervisionada pela SS fora do campo, que tinha uma porta de ferro que eles haviam aprendido a arrombar. E após enganar um dos guardar, o polonês e outros dois homens, Jan Redzej e Edward Ciesielski, conseguiram ser transferidos para lá.
Com o fim do turno de trabalho na manhã de 26 de abril, o trio forçou a porta da padaria e correu em direção ao rio Vístula e à linha da floresta. Alguns tiros foram disparados contra eles, mas conseguiram escapar com sucesso — viajando principalmente à noite, durante dias —, até conseguirem chegar na casa de um dos ex-companheiros de cela do trio a leste de Cracóvia.
Livre, Pilecki conseguiu contatar pessoalmente os líderes da resistência sobre a necessidade de um ataque ao campo, que poderia libertar Auschwitz e desmobilizar o campo de concentração. Mas mais uma vez, os apelos foram ignorados, com os aliados focando principalmente em derrotar Hitler nos campos de batalha, e não em libertar os prisioneiros dos campos de concentração e interromper o genocídio na Europa.
"Há um debate interminável sobre se Auschwitz ou as ferrovias deveriam ou poderiam ter sido bombardeadas", pontua Böhler. "Esta não é apenas uma questão logística, mas também moral. Mesmo que o resultado tivesse sido meramente simbólico, teria sido um sinal poderoso contra o genocídio. Mas os Aliados priorizaram a vitória militar sobre a Alemanha nazista. O assassinato em massa de milhões de judeus e outros civis antes disso não foi realmente levado em consideração".

Destino amargo
Considerando imprudente retornar à sua família — visto que sua esposa, Maria, trabalhava como governante para uma família alemã —, Pilecki seguiu sozinho em sua jornada. Ele até conseguiu se encontrar com Maria mais uma vez, mas nunca mais viu seus filhos desde quando partiu para Auschwitz.
Em 1944, se juntou mais uma vez ao Exército Nacional Polonês, participando da Revolta de Varsóvia, em que os poloneses que habitavam a cidade se rebelaram contra os ocupantes nazistas. Porém, esse episódio, sem qualquer apoio dos Aliados ou dos soviéticos, que se aproximavam pelo leste, foi uma mera empreitada fadada ao fracasso: os alemães responderam com ferocidade, reduzindo a cidade a escombros e cinzas.

Ainda assim, mesmo que as forças polonesas tenham perdido a batalha, Pilecki conseguiu sobreviver. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os soviéticos ocuparam sua terra — para ele, o resultado foi basicamente o mesmo que com os nazistas, ele tinha uma nação estrangeira invadindo sua cidade.
Por isso, ele voltou à clandestinidade, lutando agora contra a invasão soviética. Porém, a polícia secreta polonesa, a este momento aliada à União Soviética, o prendeu em maio de 1947. Ele e outros companheiros foram presos e torturados por seus próprios estadistas, o que se prolongou por mais de um ano. Por fim, Witold Pilecki foi executado por fuzilamento em 25 de maio de 1948, aos 47 anos.
Durante o regime comunista na região, a história de Pilecki deixou de ser contada e foi quase apagada, mas somente após o fim da Guerra Fria e a eventual queda da União Soviética, em 1991, acadêmicos desenterraram sua história, pautada e registrada em vários relatórios, documentos e um livro de memórias de sua juventude.
Witold Pilecki, infiltrado em Auschwitz
Em meio aos horrores da Segunda Guerra Mundial, um polonês chamado Witold Pilecki se destacou com um ato de bravura: a fim de descobrir o que acontecia no campo de concentração nazista de Auschwitz, se ofereceu para ser preso e fazer relatos aos Aliados. Infelizmente, sua história teve um destino amargo, conseguindo escapar do campo, mas abandonando sua família — e, eventualmente, morrendo pelas mãos dos soviéticos que tomaram parte da Polônia após a derrota dos nazistas.


