'O Cavalariço de Auschwitz': A chocante vida de um sobrevivente do Holocausto

Aventuras Na História






Em abril, foi publicado no Brasil pela Editora Record o livro 'O Cavalariço de Auschwitz', escrito em uma colaboração entre o jornalista Dexter Ford e Henry Oster, um dos poucos meninos judeus-alemães que sobreviveram ao brutal campo de extermínio nazista de Auschwitz, e cuja história é descrita na obra, em uma jornada de resistência e sobrevivência em meio aos horrores do Holocausto.
Nascido em Colônia, na Alemanha, em 1928, Henry Oster sobreviveu à privação no gueto de Łodź, a uma seleção de vida ou morte no campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, a um pelotão de fuzilamento, a um bombardeio de um caça dos Aliados e até à fome em Buchenwald.
Entre os 2.011 judeus que foram detidos pela Gestapo e deportados de Colônia, ele foi apenas um entre 23 que conseguiram deixar o campo de Auschwitz com vida após a guerra. Aos 18 anos, conseguiu escapar da Europa em guerra e reconstruiu sua vida nos Estados Unidos, onde chegou sem os pais, sem dinheiro, sem educação formal e sem nem mesmo saber falar inglês.
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Eventualmente, formou-se pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, se especializou em optometria pela Southern California College of Optometry e até foi professor na área, lecionando na mesma faculdade em que se formou durante 25 anos.
Sua trajetória de vida, marcada por grande luta e enfrentamento de desafios, terminou em 2019, quando faleceu aos 90 anos.
Por isso, em memória à sua vida marcada por tantas turbulências, e ainda mais no atual mundo que enfrenta uma nova onda de antissemitismo, o lançamento de 'O Cavalariço de Auschwitz' se mostra ainda mais significativo.
Em entrevista exclusive à equipe do Aventuras na História, o co-autor do livro e grande amigo do sobrevivente de Auschwitz, Dexter Ford, contou mais sobre o processo de criação do livro e sobre a parceria com Henry Oster.
Ascensão nazista
Durante a infância, conforme relata Ford, Oster "tinha levado uma vida adorável antes de Hitler chegar ao poder, e ele e seus pais se apegaram o máximo possível à sua vida pré-guerra".
Porém, tudo mudou em 1933, quando Oster tinha apenas 5 anos, e Hitler assumiu o poder na Alemanha. Nesse momento, iniciou no país um momento extremamente dramático para os judeus, que começaram a ser gradualmente perseguidos e enviados a campos de concentração.
Dito isso, escrevemos sobre as coisas tolas que ele fez quando criança na guerra — correr atrás de ataques aéreos britânicos para coletar estilhaços rasgados e enferrujados", comenta Dexter Ford.
Vale mencionar que, antes mesmo da explosão da Segunda Guerra Mundial, em setembro 1939, o pequeno já viveu em um ambiente de tensão, com o crescimento de grupos antissemitas e propagação de discursos contra seu povo. Mas foi após o início da guerra que Henry Oster começou a ver sua vida relativamente comum se tornar em um verdadeiro pesadelo.
Eventualmente, Oster e sua família foi para um gueto na cidade polonesa de Łódź, que ficaria marcado na história como o segundo maior gueto estabelecido para judeus e ciganos na Polônia sob a ocupação nazista, atrás apenas do Gueto de Varsóvia. Lá, enfrentaram a fome, o frio e o luto, além de precisarem trabalhar forçadamente e viverem sob constante ameaça de morte.

Após perder o pai, Henry tentou sobreviver a qualquer custo ao lado da mãe, que definhava cada dia mais. Eventualmente, ambos foram separados à força e enviados para campos de concentração, e desde então jamais se viram. Com apenas quinze anos, Oster precisou encarar a realidade sozinho, enquanto era mantido no brutal campo de Auschwitz.
Cavalariço de Auschwitz
Em Auschwitz, Henry percebeu que a sua única chance de sobreviver era tornar-se indispensável, e por isso dedicou-se no trabalho nos estábulos, cuidando de cavalos — que, para os nazistas, eram muito mais valiosos que qualquer judeu. E foi lá também que ele encarou os maiores e mais cruéis eventos que veria em toda a sua vida.
Durante as conversas com Henry para escrever o livro, Dexter Ford inclusive ouviu um episódio inédito, que o sobrevivente nunca compartilhou antes, nem mesmo com outras pessoas próximas. "Após um dia trabalhando nos estábulos", conta ao Aventuras, "ele e outros três rapazes foram afastados e conduzidos a um espaço entre os prédios, ombro a ombro com cerca de 100 outros homens".
"O portão traseiro de um caminhão caiu e uma equipe de metralhadoras começou a atirar na massa de homens. Mais tarde, ele soube que se tratava de um massacre em represália, como punição por uma tentativa de fuga dos prisioneiros. Ele e os rapazes escaparam porque eram mais baixos do que os homens da frente e tinham como correr para dentro de um prédio na confusão. Ele nunca contou a ninguém além de mim, disse ele — era horrível demais para ele contar e para os outros ouvirem".

Fugindo da Europa
Felizmente, com a libertação de Auschwitz pelo Exército Vermelho, Henry Oster conseguiu se livrar das garras dos nazistas, e, com apenas 18 anos, fugiu para os Estados Unidos — onde também teve novas oportunidades em sua vida, estudando, se tornando professor e até construindo sua própria família.
"Henry estava tão feliz por estar nos Estados Unidos e na Califórnia, longe de todo o inferno da Europa e em uma família amorosa, que via sua vida nos Estados Unidos como, para citar um certo romancista, um banquete sem fim. Quando o conheci, muitos anos depois, ele ainda tinha uma atitude maravilhosa, considerando cada dia uma dádiva, uma dádiva que ele estava determinado a aproveitar. Comparado a Auschwitz, lutar para ter sucesso como um homem livre na Califórnia parecia, para ele, quase uma brincadeira de criança", conta Dexter Ford.

Ele tinha plena consciência de que Hitler e seus capangas nazistas haviam tentado exterminar judeus como ele e que, no fim das contas, ali estava ele, vivo e bem, muitas décadas depois de todos eles terem morrido e desaparecido", acrescenta o jornalista.
"Em suas palestras e colaboração neste livro, ele sempre esteve determinado a contar ao maior número possível de pessoas o que lhe acontecera, um americano muito real, engraçado e sábio, e como isso deveria nortear a maneira como lidamos uns com os outros".
Importância da memória
Ao narrar a história de vida de Henry Oster durante os horrores do Holocausto, 'O Cavalariço de Auschwitz' não é apenas um relato sobre a vida nos campos de concentração, mas também um lembrete da resiliência humana, e uma leitura crucial para compreender mais as atrocidades cometidas pelos nazistas e as marcas que ficaram na história humana.
"Manter a história de Henry viva era de extrema importância para mim", conta Dexter Ford. "[...] Era crucial que tivéssemos documentação dos arquivos nazistas de Łódź e dos campos. Um negacionista do Holocausto não teria dificuldade em refutar onde Henry havia sido preso — estava tudo lá, em alemão, para todo o mundo ver".
Por fim, quando questionado sobre a importância de se contar essa história agora, justificando o lançamento em 2025, o jornalista afirma se baseia na onda de antissemitismo que se vê no mundo de hoje:
"Eu estava ciente de uma onda de negacionistas do Holocausto em todo o mundo, que estava nas manchetes na época, e para mim era muito importante publicar a história clara, documentada e relativamente sem emoção de Henry, especialmente porque ele havia sido arrastado para a insanidade ainda muito jovem. O discurso de ódio e o extremismo estão sempre à espreita, e sinto que são tão importantes agora quanto eram em 1933, quando Hitler chegou ao poder".


