Onde está a Arca de Noé — e o que os arqueólogos têm a dizer sobre o tema

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A história da Arca de Noé é uma das passagens mais conhecidas e debatidas do Antigo Testamento. Conta a Bíblia que Deus, decepcionado com a corrupção da humanidade, decidiu purificar o mundo com um dilúvio global.
Noé, descrito como justo, foi, no entanto, escolhido para preservar a vida: ele, sua família e animais de todas as espécies embarcaram em uma imensa arca de madeira, construída segundo instruções divinas. Depois de semanas sobre as águas, a arca teria repousado sobre as "montanhas de Ararat", marcando o reinício da vida na Terra.
Essa narrativa sagrada há muito fascina fiéis, mas, para alguns, não basta acreditar. A busca por provas arqueológicas da existência real da Arca tem mobilizado aventureiros, religiosos, cientistas e entusiastas por mais de um século, especialmente nas encostas do Monte Ararat, na atual Turquia oriental. É ali, entre formações rochosas, que muitos creem que repousam os restos da Arca.
Descobertas
Em 1876, o político e advogado britânico James Bryce escalou o Monte Ararat e alegou ter encontrado um pedaço de madeira que "atendia a todos os requisitos do caso" — em outras palavras, ele acreditava ter em mãos, parte da Arca. Desde então, diversas expedições foram organizadas, sempre com grande entusiasmo, mas muitas vezes com evidências duvidosas.
Mais recentemente, um grupo chamado Noah’s Ark Scans, liderado por Andrew Jones, coletou amostras de solo no local de Durupınar, também na Turquia. As análises indicaram a presença de matéria orgânica distinta da área ao redor, e a formação no terreno, vista de cima, lembra o formato de um barco. Porém, muitos geólogos e arqueólogos afirmam que a formação é natural, resultado de processos geológicos comuns.
Tais alegações são recebidas com ceticismo pela comunidade acadêmica. "Nenhum arqueólogo legítimo faz isso", diz Jodi Magness, professora da Universidade da Carolina do Norte e exploradora da National Geographic. Para ela, a arqueologia não é uma caça ao tesouro.
Não se trata de encontrar um objeto específico. É uma ciência em que apresentamos questões de pesquisa que esperamos responder por meio de escavações", explica.

Mito universal?
Apesar do ceticismo, a ideia de um grande dilúvio não é exclusiva da Bíblia. Civilizações antigas de diferentes regiões da Mesopotâmia deixaram registros semelhantes. A mais famosa dessas histórias é a Epopéia de Gilgamesh, escrita cerca de 2.000 a.C..
Outras versões aparecem em tábuas cuneiformes babilônicas, como a de 1750 a.C., que descreve em detalhes como uma arca foi construída para preservar a vida.
Segundo o National Geographic, esses paralelos levantam a hipótese de que o relato bíblico do Gênesis seria uma versão mais recente de mitos mais antigos, adaptados à tradição hebraica. E há ainda outra possibilidade: que todos esses relatos tenham origem em eventos reais, como grandes inundações regionais que causaram forte impacto nas populações locais e se transformaram, com o tempo, em mitos épicos transmitidos oralmente.
O arqueólogo Eric Cline, da Universidade George Washington, observa que há evidências de uma inundação significativa na região do Mar Negro, ocorrida há cerca de 7.500 anos. Alguns cientistas especulam que essa inundação pode ter dado origem às lendas do dilúvio, mas não há consenso sobre sua extensão ou impacto.
Localização incerta
O Livro do Gênesis afirma que a Arca repousou sobre as "montanhas de Ararat", que ficariam no antigo reino de Urartu, abrangendo partes da atual Armênia, Turquia e Irã. No entanto, esse termo não se refere necessariamente ao atual Monte Ararat, o pico mais alto da Turquia e símbolo frequente nas representações modernas da história.
Não há como determinar onde exatamente no antigo Oriente Próximo isso ocorreu", diz Magness.
E mesmo que pedaços de madeira antigos fossem encontrados, ainda seria impossível ligá-los diretamente à Arca de Noé. "Não temos como situar Noé — se é que ele existiu — e o dilúvio em tempo e espaço", ressalta a arqueóloga. A menos, é claro, que uma inscrição claramente datada e autenticada fosse descoberta — o que, até hoje, nunca ocorreu.

Buscas persistem
Apesar das incertezas, a busca pela Arca persiste — impulsionada em parte pela fé literal em relatos bíblicos e, em muitos casos, por grupos ligados ao criacionismo da Terra jovem, que rejeitam as evidências científicas sobre a idade da Terra e da evolução. Para eles, encontrar a Arca seria uma prova irrefutável da veracidade do Gênesis.
Um desses grupos é o Answers in Genesis, ministério que administra um parque temático sobre a Arca de Noé em Kentucky, EUA. Seu diretor de pesquisa, Andrew A. Snelling, geólogo e defensor da juventude da Terra, afirma não acreditar que a Arca tenha sobrevivido ao tempo.
Segundo ele, Noé e sua família provavelmente desmontaram o navio para usar a madeira na construção de abrigos após o dilúvio. Ainda assim, Snelling critica as "alegações questionáveis" de caçadores da Arca, que, segundo ele, acabam enfraquecendo qualquer descoberta potencialmente legítima.
A arqueologia e a Bíblia
Para arqueólogos como Jodi Magness e Eric Cline, o fascínio popular com relíquias bíblicas pode atrapalhar o entendimento real do passado. Afinal, a busca pela Arca de Noé não apenas confunde o público, como também diminui a empolgação com os achados arqueológicos reais.
Como destaca Cline, parte do problema se encontra no fato de que o público tem expectativas irrealistas em relação à arqueologia, além de que a mídia popular costuma destacar a emoção da perseguição em vez do lento acréscimo de conhecimento arqueológico.
Cline também menciona que, quando mais jovem, tentava rebater publicamente as alegações de "provas bíblicas", mas que hoje, prefere concentrar-se em suas escavações científicas e em compartilhar descobertas reais com o público disposto a ouvir.
Atualmente, o pesquisador lidera um projeto no norte de Israel, onde escava um palácio cananeu do século 18 a.C. em Tel Kabri. "Não é a Arca de Noé, mas é um piso pintado, o que é bom o suficiente para mim", diz.


