'Yellowjackets australiano': A teoria que lança nova luz sobre o naufrágio do Batávia

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Se aproveitando de um naufrágio, um homem de má índole liderou um motim que causou a morte de mais de 100 homens, mulheres e crianças. Assim é descrita a história do Batávia, o naufrágio mais horrível da Austrália, que afundou em meados de 1629.
Os sobreviventes do naufrágio estavam abandonados em um recife numa cadeia de ilhas a cerca de 60 quilômetros mar adentro. Longe de qualquer ajuda, no "fim cruel e implacável do mundo", os assassinatos e estupros começaram.
"Mais de 100 pessoas morreram no encalhe, mas a carnificina não terminou aí", relata o Museu Marítimo Nacional Australiano. "O que aconteceu com os sobreviventes foi puro horror: anarquia, tirania, loucura, assassinato e estupro, em um reino de terror onde as pessoas eram eliminadas uma a uma".
Apenas cerca de um terço dos 340 passageiros e tripulantes sobreviveriam."
Batávia é um dos incidentes mais terríveis da Austrália. E, ainda hoje, pesquisadores estudam as valas comuns encontradas nas ilhas. Apesar de ninguém duvidar do que aconteceu por lá, um acadêmico holandês propôs uma teoria diferente para o episódio.
Ao invés de uma conspiração covarde, homens comuns teriam sido levados a atos terríveis por um outro motivo: a fome.
'Yellowjackets' australiano
A história de Batávia, semelhante ao programa de TV Yellowjackets, só que no mar, também foi creditada como inspiração para o reality show The Traitors, que é sucesso no Reino Unido. Mas será que as coisas foram realmente assim?

Segundo o psicólogo cultural Jaco Koehler, existe um cenário alternativo que oferece "uma explicação melhor para o que aconteceu". Sua teoria, 'O Desastre de Batávia: Um novo cenário para explicar o massacre após o naufrágio', foi publicada na edição de maio do International Journal of Maritime History.
Nela, Koehler aponta que a parcialidade nos relatórios da época e o uso de tortura semelhante ao afogamento lançam dúvidas sobre a versão de que um homem planejou um motim e supervisionou um massacre.
"É notável que uma história improvável sobre um herege louco planejando um massacre tenha sido repetida sem crítica por quase 400 anos", diz Koehler em entrevista ao The Guardian.
Segundo a história, o Batávia, que tinha como comandante Francisco Pelsaert, transportava mais de 300 pessoas e carregava uma carga contendo moedas de prata. A embarcação teria deixado a Holanda em direção às Índias Orientais (Indonésia) em 1629.
Pelsaert, porém, se desentendeu com o capitão do navio, Adrian Jacobsz, desde o início, por questões como embriaguez. Jacobsz, por sua vez, era amigo do suboficial Jeronimus Cornelisz — a terceira pessoa mais importante do navio.
No dia 4 de junho de 1629, o Batávia naufragou nas Ilhas Houtman Abrolhos, na costa oeste da Austrália. Pelsaert teria se levantado do leito médico para gritar com Jacobsz: "Capitão, o que você fez para, com sua imprudência, nos prender esta corda no pescoço?".
Os que não se afogaram, segundo conta a história, permaneceram no navio até ele se partir por completo. Enquanto os outros seguiram para as ilhas vizinhas — sendo que a maioria deste grupo se reuniu em uma pequena ilha sem água que ficou conhecida como Cemitério de Batávia.
Pelsaert e outros oficiais superiores deixaram os sobreviventes para trás em busca de água e acabaram navegando até Jacarta para encontrar ajuda. Demorou três meses para o comandante retornar.
Como ele estava ausente, Cornelisz assumiu o comando e começou a ordenar o assassinato dos sobreviventes na esperança de roubar as moedas e os tesouros do porão de carga do Batávia.
Para isso, usou de informações falsas, alegando haver água em outra ilha, enviando alguns sobreviventes para missões inúteis, onde seus aliados os empurravam para o mar.
Ele também enviou soldados da resistência sem armas, sem esperar que sobrevivessem — mas apesar deles terem encontrado comida e água, e enviaram sinais de fumaça para alertar os outros, foram ignorados. Esses soldados não morreram como acabaram dominando Cornelisz quando ele foi atrás deles.
Quando Pelsaert finalmente retornou, aprisionou os amotinados e ouviu confissões sobre os atos bárbaros ordenados por Cornelisz. O comandante descobriu que Jacobsz e Cornelisz sempre planejaram matar qualquer opositor e que pretendiam "jogar os mortos ao mar e depois fazer pirataria com o navio". Sendo assim, o comandante enviou Cornelisz e os rebeldes condenados à forca.
Um novo cenário
Jaco Koehler leu os diários do comandante Francisco Pelsaert, que continham registros dos interrogatórios. Em seu artigo, ele descreve que Pelsaert foi "tanto juiz quanto promotor" em um caso em que abandonou sobreviventes, o que pode não ser um bom presságio para sua carreira.

Além disso, aponta que a história do comandante foi "parcialmente baseada em confissões obtidas por afogamento simulado", e que a veracidade das informações extraídas sob tortura deve ser questionada.
Para seu cenário alternativo, Koehler aponta que a "violência extrema foi motivada pela fome". Afinal, havia muita gente e pouca comida. Assim, como a saída de Pelsaert, criou-se o que o pesquisador descreve como um "vácuo de poder" — alguns sobreviventes formaram uma gangue, roubaram comida, intimaram outros sobreviventes e estupraram mulheres. No fim, as pessoas estavam dispostas a matar para sobreviver.
"A tendência de favorecer evidências que apoiam crenças existentes, enquanto se dá pouca atenção às evidências que são inconsistentes com essas crenças", aponta Koehler sobre como o viés de confirmação pode ter desempenhado um papel na crença duradoura na história de Pelsaert. Os destroços do naufrágio só foram encontrados em 1963.


