Mapa de Piri Reis: Um dos documentos cartográficos mais enigmáticos da história

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Em 1929, durante a transformação do Palácio de Topkapi em museu, em Istambul, na Turquia, um grupo de estudiosos encontrou um fragmento de mapa que logo atrairia a atenção de historiadores do mundo todo.
Desenhado sobre pergaminho de pele de gazela, o documento foi identificado como uma carta náutica datada de 1513 e assinada por Piri ibn Hajji Mohammed Reis — mais conhecido como Piri Reis, navegador e cartógrafo da Marinha do Império Otomano.
O que diferencia o item de outros da mesma época é a riqueza de detalhes e a origem das fontes utilizadas. O próprio autor afirma, em notas escritas no pergaminho, que o compilou a partir de diversos materiais anteriores, incluindo 20 cartas e mappae mundi, oito mapas de origem ptolemaica e quatro mapas portugueses.
Também foram usados um mapa árabe da Índia e um suposto desenho feito por Cristóvão Colombo, navegador e explorador genovês do século 15. É essa última referência que gerou maior repercussão: o mapa de Colombo, perdido há séculos, pode ter sobrevivido parcialmente através da obra de Piri Reis.
O que mostra o mapa?
Segundo o livro “O Mapa de Piri Reis de 1513”, de Gregory C. McIntosh, o fragmento preservado mostra a costa atlântica de partes da Europa, África e América do Sul, com representações detalhadas do litoral brasileiro. A distância entre o continente africano e o sul-americano aparece com notável precisão.
No entanto, a região do Caribe é retratada de maneira confusa, com uma enorme ilha identificada como "Hispaniola" orientada no sentido norte-sul e características fundidas de Cuba e da América Central.
Essa configuração condiz com a interpretação equivocada de Colombo de que Cuba fazia parte do continente asiático. Segundo o livro, em 1494, o navegador chegou a obrigar seus homens a jurarem que Cuba era a Ásia, sob pena de multa e mutilação, consolidando a confusão cartográfica reproduzida anos depois por Piri Reis.

Outro ponto polêmico do mapa é a presença de um extenso continente no sul do Atlântico, que alguns estudiosos e entusiastas identificaram, de forma controversa, como uma representação precoce da Antártida.
Essa hipótese ganhou força com as teorias do historiador Charles Hapgood, que em 1966 sugeriu que o mapa teria sido baseado em documentos de uma "civilização avançada desconhecida", capaz de mapear a costa antártica quando ela ainda não estava coberta por gelo.
A proposta, no entanto, não encontra respaldo na evidência científica. Estudos posteriores demonstraram que a Antártida não esteve livre de gelo nos últimos dez milhões de anos, e que as supostas semelhanças entre o mapa e a costa do continente gelado são fruto de interpretações forçadas e ajustes arbitrários de coordenadas.
Mais plausível é a identificação do "continente austral" como Terra Australis Incognita, uma massa de terra hipotética que aparecia com frequência em mapas do Renascimento como um contrapeso geográfico ao hemisfério norte.
A crença em sua existência persistiu até o século 18, quando as viagens do capitão James Cook provaram que, se houvesse um continente meridional, ele seria muito menor do que o imaginado.
Documento singular
O mapa evidencia que o Império Otomano tinha acesso a informações geográficas atualizadas, de fontes religiosas diferentes, e era capaz de produzir cartas náuticas sofisticadas. Ao fundir a tradição islâmica de miniaturas ilustradas com a técnica europeia dos portolanos, Piri Reis criou um documento singular.
Ele rompeu com a visão medieval do "Oceano Encirculante" — uma ideia que imaginava um grande oceano contínuo cercando todo o mundo conhecido e funcionando como uma barreira intransponível que isolava as terras habitadas —, representando o Novo Mundo como parte integrante de um planeta navegável, indicando que era possível explorar e atravessar esses mares.
Em termos técnicos, o mapa segue o padrão dos portolanos: cartas náuticas com linhas de rumo irradiando de rosas-dos-ventos, usadas para navegação por estima. Apesar de não empregar coordenadas de latitude e longitude, o documento apresenta uma costa atlântica relativamente precisa e insere comentários em turco otomano sobre povos, animais e regiões.
Atualmente, apenas um terço do mapa original sobrevive e está preservado no Palácio de Topkapi. O restante se perdeu. Segundo McIntosh, o fragmento mede cerca de 87 por 63 centímetros e inclui ilustrações de criaturas míticas, como homens sem cabeça (os Blemmyes), homens com rosto de cão, unicórnios e outros animais fantásticos, que Piri Reis descreveu como "seres inofensivos".
A descoberta do fragmento em 1929 foi recebida com entusiasmo. O ex-presidente Mustafa Kemal Atatürk, interessado em recuperar e divulgar o passado científico otomano, incentivou estudos e publicações sobre o mapa. Desde então, ele permanece objeto de análise, controvérsia e fascínio.
Seu conteúdo, embora impreciso em alguns pontos, revela uma tentativa ousada de compreender e representar um planeta em expansão. O documento segue, até hoje, como um dos mapas mais enigmáticos da história da cartografia.


