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Projeto Iceworm: A cidade nuclear que os EUA tentaram construir sob a Groenlândia
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Projeto Iceworm: A cidade nuclear que os EUA tentaram construir sob a Groenlândia

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Aventuras Na História
06/07/2025 17h00
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©Getty Images
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Em 1945, os Estados Unidos explodiram a primeira bomba atômica da história e, durante quatro anos, foram a única potência nuclear do planeta. Porém, em 1949, a União Soviética testou sua própria arma nuclear, iniciando uma nova fase da Guerra Fria, marcada por tensão, espionagem e pela corrida para garantir superioridade militar.

Na década de 1950, com o avanço dos arsenais nucleares, o governo do presidente norte-americano Dwight D. Eisenhower implantou a estratégia “New Look”, que passou a priorizar o uso de armas nucleares táticas como principal meio de dissuasão contra possíveis ataques soviéticos. O orçamento militar foi redistribuído: a Força Aérea ficou com 49% dos recursos, a Marinha com 29% e o Exército com apenas 22%.

Preocupado em não perder importância, o Exército buscou garantir seu papel na estratégia nuclear americana. A solução encontrada foi defender a instalação de mísseis móveis em terra, próximos o suficiente à URSS para representar uma ameaça real — e, ao mesmo tempo, ocultos para evitar ataques inimigos. Foi nesse contexto que surgiram os planos que dariam origem ao Projeto Iceworm.

A Groenlândia, localizada entre os EUA e a União Soviética, parecia o lugar ideal para bases militares secretas. Desde 1814, o território estava sob domínio dinamarquês, mas durante a Segunda Guerra, após a ocupação nazista da Dinamarca, Washington assinou o acordo Thulesag 1, garantindo jurisdição sobre a defesa da ilha.

A principal preocupação era evitar que os alemães transformassem a região em ponto estratégico para ataques contra a América do Norte.

Com o fim da guerra, o interesse estratégico não desapareceu. Os testes soviéticos de mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) na década de 1950 e o lançamento do satélite Sputnik, em 1957, reforçaram a importância de manter a presença militar na ilha.

O início do Projeto Iceworm

De acordo com a Atomic Heritage Foundation, em 1951, um acordo entre os EUA e a Dinamarca autorizou a construção de bases aéreas na Groenlândia, incluindo a Thule Air Base. Mas o Exército queria ir além.

Surgiu então o plano ultrassecreto conhecido como Projeto Iceworm, que previa a instalação de 600 mísseis balísticos de médio alcance (MRBMs), chamados “Iceman”, em túneis escavados sob a camada de gelo groenlandesa. A Groenlândia ficava a menos de 3 mil milhas de Moscou, o que colocava esses mísseis a distância de ataque rápido sobre alvos soviéticos e do Leste Europeu.

A proposta era colossal. O Projeto Iceworm imaginava 52 mil milhas quadradas de túneis subterrâneos — área três vezes maior que o território da Dinamarca. Os mísseis seriam deslocados em trilhos, e 11 mil soldados viveriam sob o gelo em uma cidade subterrânea equipada com dormitórios, refeitórios, hospital, escola e até cinema.

Mas havia um problema diplomático: a Dinamarca havia adotado, em 1957, uma política de não permitir armas nucleares em seu território. Para contornar o impasse, os EUA criaram uma fachada: a construção de uma base científica para pesquisas polares.

Em 1958, teve início a construção de Camp Century, a cerca de 150 milhas a leste da Base Aérea de Thule. Oficialmente, o local seria um centro de pesquisas científicas e de testes de engenharia em condições árticas extremas. Nos fatos, era o embrião do Projeto Iceworm.

As condições eram extremas: temperaturas que podiam chegar a -70°F (-56°C) e ventos superiores a 120 mph (cerca de 193 km/h). Para transportar toneladas de suprimentos, o Exército construiu uma estrada sobre o gelo, e longas viagens eram feitas em trenós, a apenas 2 mph. A viagem desde Thule levava 70 horas.

Os engenheiros abriram trincheiras profundas na neve e no gelo, cobrindo-as com arcos de aço e neve compactada. A mais longa trincheira, chamada “Main Street”, tinha cerca de 300 metros de comprimento. No auge, Camp Century possuía 26 túneis que se estendiam por cerca de três quilômetros, conectando dormitórios, refeitórios, laboratórios, hospital e áreas de lazer.

camp century
Funcionários abrindo trincheiras na neve e no gelo, em 1959 / Crédito: Getty Images

Em 1960, Camp Century se tornou uma das primeiras instalações militares do mundo a operar com energia de um reator nuclear portátil, o PM-2A. Dois outros reatores estavam planejados para fornecer energia à futura cidade subterrânea.

Conforme descreve Nikolaj Petersen, professor da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, em 2007 no Scandinavian Journal of History, o plano militar por trás do Camp Century previa que 600 mísseis Iceman, cada um com ogivas de 2,4 megatons — 150 vezes mais potentes que a bomba lançada em Hiroshima — pudessem ser lançados através da camada de gelo.

Segundo estimativas, esse arsenal seria suficiente para destruir 80% dos alvos soviéticos e do Leste Europeu. Para neutralizar a base, a URSS teria que disparar cerca de 3.500 mísseis de oito megatons, caso sequer soubesse da sua existência. A real função militar de Camp Century, contudo, não foi revelada imediatamente à Dinamarca. A versão oficial apresentada ao governo dinamarquês falava apenas em pesquisas científicas e testes de engenharia.

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Homens erguendo um edifício em uma trincheira lateral no Camp Century, em 1959 / Crédito: Getty Images

A derrocada 

O grande inimigo do Projeto Iceworm não foi a URSS, nem o orçamento militar — mas a própria natureza. O gelo groenlandês, mesmo aparentemente sólido, está sempre em movimento. Durante o inverno, o deslocamento da camada de gelo fazia as paredes e os tetos das galerias subterrâneas cederem. Em 1962, o forro da sala do reator nuclear afundou quase 1,5 metro.

Apesar de tentativas de reparar as estruturas, ficou claro que manter uma cidade nuclear sob o gelo em constante movimento seria inviável. Em 1964, Camp Century foi rebaixado a um acampamento de verão. Em 1967, o Exército abandonou definitivamente o local e desmontou o reator nuclear portátil.

No lugar do grande arsenal nuclear, a última atividade relevante em Camp Century foi a perfuração de um núcleo de rocha a cerca de 1,5 km de profundidade, que seria esquecido por décadas. Ironicamente, essa perfuração científica proporcionou a maior contribuição do local.

Isso porque o núcleo rochoso armazenado em 1966 foi redescoberto em 2017, revelando fragmentos fossilizados de folhas e galhos, evidência de que plantas já cresceram sob a atual camada de gelo da Groenlândia, hoje uma das regiões mais frias do planeta. Essa descoberta se tornou importante para pesquisas sobre o clima do passado e possíveis cenários futuros de aquecimento global.

Além disso, quando abandonaram Camp Century, os militares americanos acreditaram que a neve e o gelo cobririam para sempre os resíduos deixados para trás. Mas não foi o que aconteceu. Sob o gelo permanecem cerca de 9.200 toneladas de equipamentos de construção, 53 mil galões de diesel, 63 mil galões de águas residuais (incluindo esgoto) e quantidades desconhecidas de líquido refrigerante radioativo do reator nuclear.

Pesquisas sugerem também a presença de produtos químicos tóxicos, como bifenilos policlorados (PCBs), altamente cancerígenos. Um estudo conduzido em 2016 indicou que, se as temperaturas continuarem subindo, a Groenlândia poderá passar de um balanço positivo de neve para derretimento líquido já em 2090.

Caso isso ocorra, é apenas questão de tempo até que esses resíduos tóxicos sejam expostos ao ambiente. “Uma vez que o local passe a ter mais derretimento do que acúmulo de neve, é irreversível”, alertou William Colgan, cientista climático e coautor do estudo, em comunicado publicado na época.

Redescoberta 

Em abril de 2024, uma equipe de cientistas da NASA sobrevoava o norte da Groenlândia em um jato, testando um novo radar capaz de enxergar através do gelo. A cerca de 240 quilômetros a leste da Base Espacial de Pituffik, Greene registrou uma foto da imensidão branca lá embaixo, até que algo inesperado surgiu nos instrumentos.

“Estávamos procurando a camada de gelo e de lá surgiu o Camp Century”, disse o cientista Alex Gardner, que ajudou a liderar o projeto, em comunicado. “No início, não sabíamos o que era.”

CAMP CENTURY
Imagem aérea de cientistas da NASA que sobrevoavam a Groenlândia identificou o Camp Century / Crédito: Divulgação/NASA

Embora expedições anteriores já tivessem identificado sinais da base, os equipamentos usados em 2024 — mais modernos e detalhados — revelaram imagens inéditas, mostrando com clareza corredores e construções alinhadas exatamente com os mapas históricos do local.

Apesar do interesse despertado, a equipe não pretendia encontrar o Camp Century. O objetivo real era estudar a espessura do gelo, essencial para prever o derretimento das geleiras e a elevação do nível do mar no futuro.

Ainda não está claro até que ponto as novas imagens ajudarão a resolver o mistério do lixo tóxico deixado na base, que inclui combustível, resíduos radioativos e substâncias químicas. Mas a descoberta foi, sem dúvida, um lembrete impressionante de que a Guerra Fria continua viva sob o gelo — e de que o aquecimento global pode trazer à tona esses fantasmas do passado.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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